Em entrevista à Pitchfork, Hayley Williams comentou sobre todas as 15 faixas do seu álbum de estreia, “Petals For Armor”. Durante a conversa, ela relembrou a trajetória do Paramore, acontecimentos de sua vida desde sua infância até o atual momento, que inclui seu divórcio, ponto marcante dos últimos anos para a cantora como pessoa e artista. Leia a tradução abaixo!
Hayley Williams detalha cada música em seu profundamente pessoal álbum solo, Petals for Armor
A líder do Paramore abre o jogo sobre superar o trauma, a vergonha e a depressão para recuperar o senso próprio.
Em uma manhã de quarta-feira no começo de abril, Hayley Williams me apresenta, por Skype, a sua brilhante casa em Nashville, onde atualmente está de quarentena com Alf, o seu sempre presente goldendoodle. Ao passar por um quarto repleto de plantas e um pôster autografado do Talking Heads, Williams pega uma guitarra Gibson castanho-avermelhada que ela recuperou do sótão de sua avó. “Ela era casada com um cara que não era tão legal, e isso pertencia à família dele”, ela diz da guitarra. “Ele era tão não legal que eu não me senti má por roubá-la”. Williams relembra aquela história, usando o instrumento enquanto escrevia músicas art-pop introspectivas que fazem parte da sua estreia solo, “Petals for Armor”.
Aos 31 anos, Williams passou mais da metade de sua vida sendo a vocalista energética do Paramore, vociferando sua frustração e seu descontentamento. Mas tempos complicados têm pedido por mais autorreflexões solitárias. “Petals for Armor” coincidiu com o seu divórcio e a luta contra uma depressão de uma década, forçando-a a relembrar os seus traumas, tanto os adquiridos quanto os herdados. A terapeuta de Williams a encorajou a criar coisas durante o período. O resultado é uma colagem de 15 músicas, igualmente desenhadas da força extasiada do começo de carreira de Björk, do pop dos anos 80 de Janet Jackson e da textura difusa do Radiohead. “Petals for Armor” é o som de uma mulher com retorno de Saturno em uma encruzilhada: as letras de Williams, variando entre mordidas e poesias, traçam a sua jornada pela raiva estilhaçada rumo ao acerto de contas pessoais e, finalmente, ao crescimento. É uma declaração individual formidável, mas que não representa o fim do Paramore: todos os seus companheiros de banda contribuíram no álbum, com o guitarrista Taylor York creditado como o seu único produtor.
Ao fazer o “Petals for Armor”, Williams enxergou a sua vulnerabilidade como uma força e passou por uma “grande transformação” enquanto pessoa. Ela soa sobrenaturalmente madura agora, descrevendo como ela chegou onde está, um senso de conectividade consigo mesma e com os demais. Williams lançou o “Petals for Armor” em três partes, cada uma em seu próprio EP, e vê nessa tricotomia a representação do fogo, da terra e da água. Com o lançamento completo de todo o projeto, ela o disseca, lançando luz aos temas mais profundos do “Petals for Armor”, uma música de cada vez.
1. “Simmer”
Pitchfork: A primeira palavra no álbum é “raiva”. De onde vinha a sua raiva?
Hayley Williams: Eu escrevi várias músicas desse álbum enquanto dirigia. Estava cantando no meu carro, e a palavra “raiva” continuava a aparecer. Eu sabia que guardava muita energia, mas não sabia de onde isso estava vindo ou onde estava querendo chegar. Eu pensei que seria essa noção geral sobre a raiva que todos nós temos, tanto faz se a sentíamos ou não, mas conforme eu continuava a escrever, isso se tornou pessoal muito rápido.
Eu percebi que tinha muito mais a aprender sobre mim mesma e sobre a história da minha família. Eu penso que boa parte da minha raiva nasceu de um trauma passado por gerações. Isso tem sido um padrão para várias mulheres na minha família, era quase como se elas procurassem diferentes tipos de abuso. Eu estou mais velha agora, minha mãe está mais disposta a falar sobre as suas experiências e as experiências de sua mãe e estou percebendo que eu venho de uma longa linhagem de mulheres que são sobreviventes. Eu nunca passei por nada que seja tão violento como elas passaram. Mas acabei causando em mim mesma muita dor e escolhendo pessoas que me causaram dor. Então a raiva é sobre se sentir sem esperanças e então, simultaneamente, ter essa descoberta de que a minha ira poderia ser um catalisador para a mudança.
Essa descoberta que você teve sobre as mulheres na sua família me deixa curiosa sobre a parte, “Se a minha criança precisasse de proteção/De um filho da puta como aquele cara/Eu o teria dilacerado imediatamente/Porque nada corta como a força de uma mãe”.
Eu estava em uma sessão de terapia, recordando uma das minhas primeiras memórias vívidas, e não era nada positiva: eu tinha 4 ou 5 anos, parada entre os meus pais que estavam brigando. Internamente, a reação que eu tive foi esse instinto bastante maternal de pegar essa criança inocente, segurá-la e protegê-la. Esse sentimento percorreu por todo o meu corpo: eu poderia parar a qualquer hora para manter essa criança a salvo. Eu me senti empoderada pela esperança e pela habilidade de tomar conta dessa parte inocente de mim que estava precisando de mais atenção.
Você canta “se envolva em pétalas para se proteger”. O que essa frase significa para você?
Quando eu soube que iria me divorciar, eu decidi ter uma abordagem mais holística da terapia, fazendo trabalhos corporais e de energia, qualquer coisa que pudesse tentar curar o trauma em meu corpo. Eu comecei a ter essa visão, na qual eu estava tão nojenta, coberta de terra e então surgiram cipós e flores. A minha primeira reação para aquilo foi: “eu estou tendo uma visão de mim mesma, do meu corpo em decomposição”. Mas quando percebi os sentimentos em meu corpo, percebi que eu estava mais do que viva. Todas as coisas que eu sentia eram verdadeiras e eu não tinha aceitado de verdade até aquele ponto. E à medida que eu ia acordando para elas e sentindo a dor, essas coisas bonitas iam crescendo. Essa imagem de flores se tornou essencialmente vital para mim. Eu passei a lotar a minha casa com flores e coisas vivas. Algumas vezes, eu queria flores mortas perto de mim também.
Enquanto me aprofundava no meu trabalho, ele passou a falar mais sobre aceitação e vulnerabilidade do que minha dor, sobre delicadeza, sem deixar isso me endurecer. Eu continuei pensando “por que eu estava tentando ser tão dura por tanto tempo?”. Eu sempre tentei ser mais dura que todos – nos palcos, na minha vida real, não importava. E a forma como eu superei as coisas foi meio que esmurrando paredes. E, depois de algum tempo, isso não funciona mais. Não é o caminho a se seguir.
2. “Leave It Alone”
Essa é uma faixa espacial sobre lidar com a perda, e a letra é realmente honesta: “Agora que eu quero viver/Bem, todos a minha volta estão morrendo”.
Tudo começou como um poema em meu diário. Eu escrevi isso para a minha avó, que caiu e sofreu um traumatismo craniano e que a deixou com uma séria demência. Ela completou 80 anos e, no dia seguinte de quando eu completei 30 anos, ela caiu das escadas da casa da minha mãe e isso parecia ser apenas cruel. A perda e a tragédia são capazes de colocar em perspectiva várias coisas que, antes, estavam fora de foco. Eu adquiri muita clareza nesses dias e ia visitar a minha avó no centro de reabilitação. Aquelas viagens eram brutais e eu apenas chorava e gritava muito com Deus. Hoje é difícil pensar sobre como eu estava furiosa naquela época. Isso fez com que vários dos meus medos mais profundos viessem à tona e percebi que nós realmente perdemos pessoas. Todo o primeiro EP é como se fosse uma bola de fogo furiosa. Era como se fosse a primeira camada de terra que você escava, foi difícil para eu superar e sentir isso se amolecendo e, ultimamente, chegando até à água.
Nessas duas primeiras músicas, você fala sobre a raiva com certa sutileza, ao invés de um grito. O que a fez interpretar daquela forma?
Eu acredito que a raiva é mais concentrada quando está prestes a tomar o controle, antes de atingir o ponto de fervura. Eu passei muito tempo gritando com uma parede. Algumas vezes, a parede era uma pessoa em alguma posição de autoridade em minha vida. Algumas vezes, a parede era eu. Eu gastei muita energia gritando, mas isso nunca mudou nada. O que mudou foi a capacidade de falar a minha verdade com convicção. Mas eu acho que a raiva me trouxe aqui.
3. “Cinnamon”
Essa é uma das músicas mais divertidas que você já fez e a forma como ela se progride parece não ser convencional. Como foi que ela surgiu?
Certo dia, eu fui até o estúdio do Taylor e ele havia me dado um mini kit de bateria e então comecei a tocar essa batida oscilante. Eu estava tentando me mover ao redor do kit de uma forma que parecesse que estivesse viajando. Peguei um gravador, deitei no sofá e cantei os ahs: “ah, ahhhh, ah”. Eu gosto de fazer antes essas merdas com os meus vocais, pois então quase tudo que você acrescenta tem essa qualidade terrena e pessoal – e eu sou de um signo de terra. “Cinnamon” era como se fosse uma experiência transcendental, pois nós apenas seguimos a canção enquanto ela ia se desdobrando: “OK, vamos enfeitar essas batidas oscilantes e transformá-la em um new jack swing”, e então, “o que Janet Jackson faria?”. Essa música atirou para todos os lados, e nós permitimos isso.
Eu encontrei esse verso antigo que havia escrito e que, na verdade, era para uma música acústica inspirada no Pinback. Ela falava sobre a visão da minha casa logo após eu me mudar e as paredes estavam vazias. Toda vez que andava pela casa era uma nova descoberta. Na verdade, eu estava me descobrindo.
O que significa para você uma música sobre essa vida doméstica solitária e autodeterminada?
Eu estou realmente vivendo essa música da forma mais autêntica agora. Por ter saído de um relacionamento que não era saudável por vários anos, era um grande alívio acordar sozinha e ser capaz de decidir por mim mesma como seriam as manhãs na minha casa. Toda manhã tinha esse cheiro que lembrava a limão, água quente e ervas.
Existe um trecho falando sobre o seu cachorro.
Ele foi o meu primeiro terapeuta. E continua sendo o meu terapeuta favorito.
Você também canta a palavra “feminina” na música. Você acha que o seu álbum soa particularmente feminino?
Eu espero que sim. Eu gostaria que fosse o caso. Muitos de nós crescemos com essa dualidade entre masculinidade e feminilidade – existem tantas coisas que partem disso e também por trás disso, e qualquer um pode falar sobre uma delas, no momento em que quiser. Mas eu creio que a feminilidade está em tudo. Existe uma música do Big Thief, na qual Adrianne canta “Existe uma mulher dentro de mim/Existe uma dentro de você também/E nem sempre ela faz coisas bonitas”. Aquela música me fez enxergar que existem valores femininos em tantas coisas vivas. E eu me sinto mais conectada do que nunca.
Eu cresci escrevendo e tocando com o Paramore, que naturalmente é baseada na receita que fizemos com [o baterista] Zac [Farro], Taylor e eu. Taylor tem instintos incríveis enquanto compositor e produtor e eu posso contar com isso, especialmente no Paramore. Mas enquanto fazia várias dessas músicas ele dirigia a sua energia em meus instintos pessoais e perguntava “O que você faria aqui?”. Ele realmente me empoderou.
4. “Creepin’”
Mike Weiss da banda de post-hardcore mewithouYou toca guitarra nessa música. A banda era uma de suas inspirações?
Com certeza. O mewithoutYou foi um dos primeiros shows ao qual fui sozinha, quando tinha 13 anos. Minha mãe me deixou no local do show, em Nashville, e me deixou levar o dinheiro que eu havia ganhado trabalhando na loja do meu pai. Eu comprei um álbum, uma camiseta e até dei gorjeta. Aquele foi um dos grandes momentos para mim.
Eles também possuem uma relação interessante com a fé. Sendo uma criança pequena criada em uma igreja Southern Batist, eu tinha várias questões e o [vocalista do mewithoutYou] Aaron Weiss era muito franco em seu questionamento da autoridade, de Deus e da igreja. Sendo uma jovem no sul, aquilo era muito impactante. Sem mencionar que eles tocavam músicas incríveis, cheias de angústias e moldadas por Fugazi que eu tanto precisava. As pessoas frequentemente ficam chocadas que os caras [do Paramore] e eu não crescemos ouvindo pop-punk. Nós escutávamos coisas muito mais pesadas e sombrias: Deftones, Failure, Year of the Rabbit, Thursday, e outras coisas mais introspectivas como Kenny e Sunny Day Real Estate. Foi aquilo que nos fez. Aquela merda ainda fala comigo.
5. “Sudden Desire”
Aqui os vocais são meio barulhentos, o que me lembra da Björk.
Quando Joey [Howard], baixista do Paramore, e eu estávamos compondo a música e ele começou a tocar aquela linha de baixo no refrão, aquilo lembrava muito da Björk na era “Post”, tipo “Army of Me”. Naquele momento, eu não achava que iria gritar muito neste álbum. Foi quando eu percebi: “Ah merda, eu ainda tenho isso dentro de mim e eu vou usar isso”.
Parece que você estava cantando sobre um sentimento oprimido: “Eu não sei se eu consigo negar/Um desejo repentino”.
Por muito tempo eu não sentia que tinha acesso à minha sexualidade. Eu legitimamente perdi o meu ciclo menstrual por um ano, por causa do estresse. Estar em um relacionamento sério aos 18 anos, no qual fiquei por 10 anos, não foi uma situação saudável e isso realmente impactou a minha autoapreciação e os meus desejos. Eu tive muitos danos psicológicos e senti muita vergonha de certas partes da minha vida.
Voltar ao meu próprio corpo era um sentimento poderoso. Na verdade, eu não achava que iria me comprometer física ou emocionalmente com alguém novamente. Eu pensava que estava tudo acabado. Eu estou confortável com a ideia de ser solteira, mas novos desejos começaram a acordar e eu sentia como “Ah merda, talvez eu possa estar voltando…”. Isso me excitou. E também de deixou com medo.
6. “Dead Horse”
A música começa com um recado de voz no qual você fala sobre como estar com depressão e tentando sair daquela situação. Aquele recado era real?
Definitivamente é real – espere um pouco, pois o Alf colocou alguma coisa na boca. Falando do Alf, uma das razões pelas quais eu mantive o recado de voz foi porque ele estava latindo ao fundo. Era quase como se ele soubesse que iria participar do álbum. Eu estava no meu banheiro, gravando recados de voz para o meu amigo, Daniel James, com quem eu compus a música. Eu o havia dito, três dias antes: “Eu tenho a melodia e os versos, eu irei te mandar um recado de voz e iremos nos encontrar logo”. Mas eu caí neste buraco maluco da minha própria tristeza e não conseguia sair de lá. Essa música é como se o meu eu de 20 anos de idade finalmente tivesse compondo esses versos e dizendo as coisas que ela realmente precisava ter dito, mas que demorou até que eu completasse 30 anos para fazê-lo. Pode ser irritante, mas eu queria mostrar que precisei me sentir como uma pessoa completamente presa em uma concha para ser capaz de me abrir sobre os meus sentimentos. Essa música foi como tirar uma farpa que estava bem profunda.
7. “My Friend”
Essa música é basicamente sobre o meu amigo Brian. Gerenciamos uma companhia de produtos de cabelo juntos e nos conhecemos desde quando eu tinha 17 anos e ele tinha 19 anos. Nossa amizade passou por várias fases e passamos junto por algumas merdas muito pesadas. Nós nos divorciamos no mesmo ano. Somos como Thelma e Louise: eu sinto que eu poderia jogar o meu carro em um desfiladeiro com ele, se fosse preciso.
8. “Over Yet”
Essa música é tão animada – soa como se fosse um hino motivacional de aeróbica dos anos 80.
Eu me senti cafona por escrever aqueles versos. A única forma que eu conseguia terminá-los era mentalizando um filme no qual eu era uma instrutora de aeróbica durante um apocalipse: eu gritando sobre a música alta – “Continuem! Vamos lá!” – e, então, parte da minha face desaba e, na realidade, eu sou uma máquina. Eu tive que acessar uma parte sombria em mim para conseguir finalizar essa música super positiva. Por anos, todas as resenhas dos shows do Paramore me comparavam com uma instrutora de aeróbica, então eu estou tentando fechar esse ciclo e rir um pouco.
9. “Roses/Lotus/Violet/Iris”
Todas as três integrantes do boygenius – Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus – fizeram os vocais de apoio dessa música, um tributo impressionista ao sexo feminino.
Eu me sentia honrada. Elas são três das mulheres mais importantes da nossa cena musical e que estão falando verdades de maneira única. Elas são tão divertidas e é tão empoderador poder estar perto delas, elas são ótimas pessoas.
Eu realmente gostaria de escrever poeticamente sobre ser uma mulher e se relacionar com outra mulher, especialmente estando em uma indústria na qual as mulheres ainda são colocadas umas contra as outras. Na minha vida pessoal, por anos eu sentia que não confiava naquele relacionamento no qual estava, o que me levou a sentir que eu não poderia confiar em ninguém ao meu redor, especialmente em outras mulheres. Isso realmente me desestabilizou. Mais tarde, eu conheci várias das esposas dos meus amigos e também outras mulheres na estrada – nós saímos com o Bleached, Best Coast, Jay Som, Soccer Mommy – e eu estava cercada de mulheres que fazem as mesmas coisas que eu fazia, pessoas com as quais eu me identificava. Essa é uma música sobre a minha descoberta de como é poderosa e profunda a minha conexão com outras mulheres da minha vida.
Crescer em uma cena musical tão dominada por homens – especialmente na Warped Tour, onde é tão fácil internalizar a misoginia que acontecia em todo o lugar – houve algum momento no qual você sentiu que a sua consciência feminina estava vindo à tona?
Ah cara, isso demorou bastante. Primeiro eu tive que perceber o quão profundo estavam internalizadas todas essas coisas. Eu acho que isso começou quando reconheci alguns dos meus pensamentos retrógrados em “Misery Business”. Uma das razões pelas quais aposentamos a música foi que eu não conseguia mais me sentir em paz com ela e não conseguia mais me relacionar com ela. Aquele foi o começo do meu reconhecimento de que estava errada. Depois veio a minha descoberta do que era certo e como aplicar isso na minha vida.
Eu não diria que crescer sendo uma garota na Warped Tour era tão profundamente prejudicial para mim. Eu tive uma experiência bastante legal enquanto adolescente. Dito isso, também passei por alguns momentos sombrios. Jogaram camisinhas em mim e pessoas na plateia gritavam coisas horríveis. Naquela época, minha forma de lidar com isso era, “Bom, eu sou um dos caras, então vai se foder”, cuspindo neles o que eu podia e sendo espirituosa. E apenas tocando mais e melhor do que os outros caras da turnê seriam capazes de fazer. Eu apenas tentei ser a melhor. Tentei não deixar que aquelas merdas me fizessem parar. Mas essa não era a verdadeira resposta. Aquilo não fazia a minha vida melhor. Agora eu sou capaz de ser um pouco mais gentil comigo mesma e isso me faz uma pessoa mais conectada e forte.
10. “Why We Ever”
Essa música é um R&B solto, mas soa como se estivesse lidando com um sentimento de desconexão.
Quando os primeiros vestígios da minha queda apareceram, a minha terapeuta me disse “você precisa estar fazendo coisas”, pois eu era capaz de enterrar muito profundamente a merda. A minha depressão era tão profunda, mas eu ainda não era capaz de compreender todas as coisas que estava sentindo. Então Joey foi comigo até um Guitar Center e nós encontramos com o nosso empresário, que auxilia o Paramore antes das turnês. E então eu dizia: “Olha, cara, eu estou deprimida e estou quase gastando todo o meu dinheiro aqui e indo aprender Pro Tools”.
“Whe We Ever” foi a primeira que eu me gravei estando sozinha. A primeira encarnação da música foi meio ruim – eu tive que bater os meus pés no chão como se fosse a percussão, pois a minha bateria não estava montada. Mas toda vez que você está realmente deprimido, qualquer realização já é uma vitória massiva. Aquele foi o momento da virada para mim. Eu não sabia se estava fazendo um álbum que as pessoas iriam ouvir, mas sabia que eu estava fazendo coisas sobre aquilo que eu estava passando.
Eu realmente me senti sozinha. Eu sempre sabotei a minha vida pessoal, enquanto tentava recomeçar tudo após o divórcio. Eu tive uma oportunidade de explorar como era estar em um relacionamento promissor, mas devido às minhas experiências passadas, eu não me permiti nutrir essa coisa que poderia ter sido boa. De certa forma, isso foi parte de um catalisador para a minha cura, pois eu tive que entender o motivo de fazer isso. Não era tão simples, como “Bem, eu me divorciei e estou com medo de outro término”. Era mais fundo que isso. Levou muita terapia e várias conversas com a minha mãe para tentar entender quais eram as minhas primeiras experiências com o amor. No final das contas, eu apenas tinha muito medo do abandono.
11. “Pure Love”
Você canta sobre “experimentar” com alguém, o que obviamente pode ser interpessoal, mas parece que isso é uma alusão à música.
Isso tem muito a ver comigo superando o medo da intimidade e aprendendo novas formas de me conectar com alguém, tentando fazer com que me sentisse desconfortável como um ser humano, para poder crescer. Eu não planejava que as letras da terceira parte do álbum soassem como uma insinuação. Eu estava muito feliz em fazer isso. Então “experimentar” em um relacionamento – as pessoas podem pensar em algo sexual se elas quiserem, mas o que eu realmente vejo é: eu nunca estive um relacionamento saudável antes em toda a minha maldita vida. É hora de tentar sentir o que é se comunicar em um nível realmente adulto.
12. “Taken”
O que significa para você estar “comprometida” no contexto de estar livre?
A vergonha sempre foi um peso que eu carreguei por todos os lados, e houve um ponto onde eu percebi que eu não queria mais carregá-la; Eu fiquei realmente cansada de sentir que estava em areia movediça no meu relacionamento. Essa música é muito divertida, pois o tipo de relacionamento que eu estou procurando é um que pareça mais leve. Em algumas partes da música, talvez esteja reivindicando algo que eu ainda não tenha incorporado. Mas tenho fé que eu irei chegar lá. Duas pessoas tentando ficar juntas – como é que podemos fazer aquilo? Eu não sei como as pessoas fazem para dar certo, mas elas conseguem. E eu acredito que eu posso ser uma dessas pessoas.
13. “Sugar on the Rim”
O refrão me fez pensar em Nine Inch Nails
Quando Taylor e eu estávamos escrevendo essa música, ele me olhou enquanto tocava bateria e me disse “o que diabos estamos fazendo agora? Que tipo de música estamos fazendo?”. E eu disse “cara, eu não sei. Mas certamente não parece com algo que fizemos antes”. Eu sou tão intrigada pelo cenário que a América teve com a cena musical do rave em Nova Iorque, pois isso estava além da minha realidade de quando morava no Mississippi na década de 90. Ao trabalhar com música, nós temos acesso a essa grande casa e nós podemos nos acomodar em um único cômodo, ou podemos continuar a encontrar novas portas, passar por elas e compreender o que aquele cômodo nos traz. Para mim, ser humilde e sair da zona de conforto da maneira correta são o caminho para continuar curioso e criativo.
14. “Watch Me While I Bloom”
Você canta sobre se sentir sortuda em estar no seu corpo novamente – você se lembra do começo daquele sentimento?
Parte daquilo estava em ter o meu ciclo menstrual de volta. Por um tempo, o meu corpo era um assunto estranho para mim, então me sentir biologicamente conectada comigo mesma era algo poderoso. Durante todo o ano de 2017, a minha única meta foi ganhar um pouco do peso que havia perdido por causa da ansiedade e dos mecanismos de defesa que não eram saudáveis para mim. Foi um dos momentos da minha vida em que eu pensei: “Puta merda. Eu estou voltado a ser eu mesma. Isso é doido”.
Existe uma imagem evocativa de terra e solo: “Se você sente que nunca irá chegar ao céu/Até que você arranque as suas raízes, deixe a terra para trás…”
As letras são as minhas partes favoritas no processo de composição e eu amo muito aquele verso, eu me sinto muito orgulhosa por aquilo. Eu tenho essa coisa de que eu amo as segundas-feiras. Eu amo o primeiro dia de janeiro. Eu gosto de novos começos. Algumas vezes, eu preciso me impulsionar para a mudança. Isso pode me levar à procrastinação, pois fico esperando pelo momento certo e, algumas vezes, a vida não vai te dar aquelas oportunidades. Você precisa se levantar enquanto ainda está coberta de lama e descobrir algo por si próprio.
15. “Crystal Clear”
Qual sentimento você queria evocar na parte final do álbum?
Sentir apaixonada. Com ênfase no sentir – pois mesmo com o meu medo, a minha dureza ou qualquer resistência com a vulnerabilidade, eu não consegui não me sentir apaixonada.
Todos do Paramore tocam nas duas últimas músicas também.
Hayley Williams detalha cada música em seu profundamente pessoal álbum solo, Petals for Armor
A líder do Paramore abre o jogo sobre superar o trauma, a vergonha e a depressão para recuperar o senso próprio.
Em uma manhã de quarta-feira no começo de abril, Hayley Williams me apresenta, por Skype, a sua brilhante casa em Nashville, onde atualmente está de quarentena com Alf, o seu sempre presente goldendoodle. Ao passar por um quarto repleto de plantas e um pôster autografado do Talking Heads, Williams pega uma guitarra Gibson castanho-avermelhada que ela recuperou do sótão de sua avó. “Ela era casada com um cara que não era tão legal, e isso pertencia à família dele”, ela diz da guitarra. “Ele era tão não legal que eu não me senti má por roubá-la”. Williams relembra aquela história, usando o instrumento enquanto escrevia músicas art-pop introspectivas que fazem parte da sua estreia solo, “Petals for Armor”.
Aos 31 anos, Williams passou mais da metade de sua vida sendo a vocalista energética do Paramore, vociferando sua frustração e seu descontentamento. Mas tempos complicados têm pedido por mais autorreflexões solitárias. “Petals for Armor” coincidiu com o seu divórcio e a luta contra uma depressão de uma década, forçando-a a relembrar os seus traumas, tanto os adquiridos quanto os herdados. A terapeuta de Williams a encorajou a criar coisas durante o período. O resultado é uma colagem de 15 músicas, igualmente desenhadas da força extasiada do começo de carreira de Björk, do pop dos anos 80 de Janet Jackson e da textura difusa do Radiohead. “Petals for Armor” é o som de uma mulher com retorno de Saturno em uma encruzilhada: as letras de Williams, variando entre mordidas e poesias, traçam a sua jornada pela raiva estilhaçada rumo ao acerto de contas pessoais e, finalmente, ao crescimento. É uma declaração individual formidável, mas que não representa o fim do Paramore: todos os seus companheiros de banda contribuíram no álbum, com o guitarrista Taylor York creditado como o seu único produtor.
Ao fazer o “Petals for Armor”, Williams enxergou a sua vulnerabilidade como uma força e passou por uma “grande transformação” enquanto pessoa. Ela soa sobrenaturalmente madura agora, descrevendo como ela chegou onde está, um senso de conectividade consigo mesma e com os demais. Williams lançou o “Petals for Armor” em três partes, cada uma em seu próprio EP, e vê nessa tricotomia a representação do fogo, da terra e da água. Com o lançamento completo de todo o projeto, ela o disseca, lançando luz aos temas mais profundos do “Petals for Armor”, uma música de cada vez.
1. “Simmer”
Pitchfork: A primeira palavra no álbum é “raiva”. De onde vinha a sua raiva?
Hayley Williams: Eu escrevi várias músicas desse álbum enquanto dirigia. Estava cantando no meu carro, e a palavra “raiva” continuava a aparecer. Eu sabia que guardava muita energia, mas não sabia de onde isso estava vindo ou onde estava querendo chegar. Eu pensei que seria essa noção geral sobre a raiva que todos nós temos, tanto faz se a sentíamos ou não, mas conforme eu continuava a escrever, isso se tornou pessoal muito rápido.
Eu percebi que tinha muito mais a aprender sobre mim mesma e sobre a história da minha família. Eu penso que boa parte da minha raiva nasceu de um trauma passado por gerações. Isso tem sido um padrão para várias mulheres na minha família, era quase como se elas procurassem diferentes tipos de abuso. Eu estou mais velha agora, minha mãe está mais disposta a falar sobre as suas experiências e as experiências de sua mãe e estou percebendo que eu venho de uma longa linhagem de mulheres que são sobreviventes. Eu nunca passei por nada que seja tão violento como elas passaram. Mas acabei causando em mim mesma muita dor e escolhendo pessoas que me causaram dor. Então a raiva é sobre se sentir sem esperanças e então, simultaneamente, ter essa descoberta de que a minha ira poderia ser um catalisador para a mudança.
Essa descoberta que você teve sobre as mulheres na sua família me deixa curiosa sobre a parte, “Se a minha criança precisasse de proteção/De um filho da puta como aquele cara/Eu o teria dilacerado imediatamente/Porque nada corta como a força de uma mãe”.
Eu estava em uma sessão de terapia, recordando uma das minhas primeiras memórias vívidas, e não era nada positiva: eu tinha 4 ou 5 anos, parada entre os meus pais que estavam brigando. Internamente, a reação que eu tive foi esse instinto bastante maternal de pegar essa criança inocente, segurá-la e protegê-la. Esse sentimento percorreu por todo o meu corpo: eu poderia parar a qualquer hora para manter essa criança a salvo. Eu me senti empoderada pela esperança e pela habilidade de tomar conta dessa parte inocente de mim que estava precisando de mais atenção.
Você canta “se envolva em pétalas para se proteger”. O que essa frase significa para você?
Quando eu soube que iria me divorciar, eu decidi ter uma abordagem mais holística da terapia, fazendo trabalhos corporais e de energia, qualquer coisa que pudesse tentar curar o trauma em meu corpo. Eu comecei a ter essa visão, na qual eu estava tão nojenta, coberta de terra e então surgiram cipós e flores. A minha primeira reação para aquilo foi: “eu estou tendo uma visão de mim mesma, do meu corpo em decomposição”. Mas quando percebi os sentimentos em meu corpo, percebi que eu estava mais do que viva. Todas as coisas que eu sentia eram verdadeiras e eu não tinha aceitado de verdade até aquele ponto. E à medida que eu ia acordando para elas e sentindo a dor, essas coisas bonitas iam crescendo. Essa imagem de flores se tornou essencialmente vital para mim. Eu passei a lotar a minha casa com flores e coisas vivas. Algumas vezes, eu queria flores mortas perto de mim também.
Enquanto me aprofundava no meu trabalho, ele passou a falar mais sobre aceitação e vulnerabilidade do que minha dor, sobre delicadeza, sem deixar isso me endurecer. Eu continuei pensando “por que eu estava tentando ser tão dura por tanto tempo?”. Eu sempre tentei ser mais dura que todos – nos palcos, na minha vida real, não importava. E a forma como eu superei as coisas foi meio que esmurrando paredes. E, depois de algum tempo, isso não funciona mais. Não é o caminho a se seguir.
2. “Leave It Alone”
Essa é uma faixa espacial sobre lidar com a perda, e a letra é realmente honesta: “Agora que eu quero viver/Bem, todos a minha volta estão morrendo”.
Tudo começou como um poema em meu diário. Eu escrevi isso para a minha avó, que caiu e sofreu um traumatismo craniano e que a deixou com uma séria demência. Ela completou 80 anos e, no dia seguinte de quando eu completei 30 anos, ela caiu das escadas da casa da minha mãe e isso parecia ser apenas cruel. A perda e a tragédia são capazes de colocar em perspectiva várias coisas que, antes, estavam fora de foco. Eu adquiri muita clareza nesses dias e ia visitar a minha avó no centro de reabilitação. Aquelas viagens eram brutais e eu apenas chorava e gritava muito com Deus. Hoje é difícil pensar sobre como eu estava furiosa naquela época. Isso fez com que vários dos meus medos mais profundos viessem à tona e percebi que nós realmente perdemos pessoas. Todo o primeiro EP é como se fosse uma bola de fogo furiosa. Era como se fosse a primeira camada de terra que você escava, foi difícil para eu superar e sentir isso se amolecendo e, ultimamente, chegando até à água.
Nessas duas primeiras músicas, você fala sobre a raiva com certa sutileza, ao invés de um grito. O que a fez interpretar daquela forma?
Eu acredito que a raiva é mais concentrada quando está prestes a tomar o controle, antes de atingir o ponto de fervura. Eu passei muito tempo gritando com uma parede. Algumas vezes, a parede era uma pessoa em alguma posição de autoridade em minha vida. Algumas vezes, a parede era eu. Eu gastei muita energia gritando, mas isso nunca mudou nada. O que mudou foi a capacidade de falar a minha verdade com convicção. Mas eu acho que a raiva me trouxe aqui.
3. “Cinnamon”
Essa é uma das músicas mais divertidas que você já fez e a forma como ela se progride parece não ser convencional. Como foi que ela surgiu?
Certo dia, eu fui até o estúdio do Taylor e ele havia me dado um mini kit de bateria e então comecei a tocar essa batida oscilante. Eu estava tentando me mover ao redor do kit de uma forma que parecesse que estivesse viajando. Peguei um gravador, deitei no sofá e cantei os ahs: “ah, ahhhh, ah”. Eu gosto de fazer antes essas merdas com os meus vocais, pois então quase tudo que você acrescenta tem essa qualidade terrena e pessoal – e eu sou de um signo de terra. “Cinnamon” era como se fosse uma experiência transcendental, pois nós apenas seguimos a canção enquanto ela ia se desdobrando: “OK, vamos enfeitar essas batidas oscilantes e transformá-la em um new jack swing”, e então, “o que Janet Jackson faria?”. Essa música atirou para todos os lados, e nós permitimos isso.
Eu encontrei esse verso antigo que havia escrito e que, na verdade, era para uma música acústica inspirada no Pinback. Ela falava sobre a visão da minha casa logo após eu me mudar e as paredes estavam vazias. Toda vez que andava pela casa era uma nova descoberta. Na verdade, eu estava me descobrindo.
O que significa para você uma música sobre essa vida doméstica solitária e autodeterminada?
Eu estou realmente vivendo essa música da forma mais autêntica agora. Por ter saído de um relacionamento que não era saudável por vários anos, era um grande alívio acordar sozinha e ser capaz de decidir por mim mesma como seriam as manhãs na minha casa. Toda manhã tinha esse cheiro que lembrava a limão, água quente e ervas.
Existe um trecho falando sobre o seu cachorro.
Ele foi o meu primeiro terapeuta. E continua sendo o meu terapeuta favorito.
Você também canta a palavra “feminina” na música. Você acha que o seu álbum soa particularmente feminino?
Eu espero que sim. Eu gostaria que fosse o caso. Muitos de nós crescemos com essa dualidade entre masculinidade e feminilidade – existem tantas coisas que partem disso e também por trás disso, e qualquer um pode falar sobre uma delas, no momento em que quiser. Mas eu creio que a feminilidade está em tudo. Existe uma música do Big Thief, na qual Adrianne canta “Existe uma mulher dentro de mim/Existe uma dentro de você também/E nem sempre ela faz coisas bonitas”. Aquela música me fez enxergar que existem valores femininos em tantas coisas vivas. E eu me sinto mais conectada do que nunca.
Eu cresci escrevendo e tocando com o Paramore, que naturalmente é baseada na receita que fizemos com [o baterista] Zac [Farro], Taylor e eu. Taylor tem instintos incríveis enquanto compositor e produtor e eu posso contar com isso, especialmente no Paramore. Mas enquanto fazia várias dessas músicas ele dirigia a sua energia em meus instintos pessoais e perguntava “O que você faria aqui?”. Ele realmente me empoderou.
4. “Creepin’”
Mike Weiss da banda de post-hardcore mewithouYou toca guitarra nessa música. A banda era uma de suas inspirações?
Com certeza. O mewithoutYou foi um dos primeiros shows ao qual fui sozinha, quando tinha 13 anos. Minha mãe me deixou no local do show, em Nashville, e me deixou levar o dinheiro que eu havia ganhado trabalhando na loja do meu pai. Eu comprei um álbum, uma camiseta e até dei gorjeta. Aquele foi um dos grandes momentos para mim.
Eles também possuem uma relação interessante com a fé. Sendo uma criança pequena criada em uma igreja Southern Batist, eu tinha várias questões e o [vocalista do mewithoutYou] Aaron Weiss era muito franco em seu questionamento da autoridade, de Deus e da igreja. Sendo uma jovem no sul, aquilo era muito impactante. Sem mencionar que eles tocavam músicas incríveis, cheias de angústias e moldadas por Fugazi que eu tanto precisava. As pessoas frequentemente ficam chocadas que os caras [do Paramore] e eu não crescemos ouvindo pop-punk. Nós escutávamos coisas muito mais pesadas e sombrias: Deftones, Failure, Year of the Rabbit, Thursday, e outras coisas mais introspectivas como Kenny e Sunny Day Real Estate. Foi aquilo que nos fez. Aquela merda ainda fala comigo.
5. “Sudden Desire”
Aqui os vocais são meio barulhentos, o que me lembra da Björk.
Quando Joey [Howard], baixista do Paramore, e eu estávamos compondo a música e ele começou a tocar aquela linha de baixo no refrão, aquilo lembrava muito da Björk na era “Post”, tipo “Army of Me”. Naquele momento, eu não achava que iria gritar muito neste álbum. Foi quando eu percebi: “Ah merda, eu ainda tenho isso dentro de mim e eu vou usar isso”.
Parece que você estava cantando sobre um sentimento oprimido: “Eu não sei se eu consigo negar/Um desejo repentino”.
Por muito tempo eu não sentia que tinha acesso à minha sexualidade. Eu legitimamente perdi o meu ciclo menstrual por um ano, por causa do estresse. Estar em um relacionamento sério aos 18 anos, no qual fiquei por 10 anos, não foi uma situação saudável e isso realmente impactou a minha autoapreciação e os meus desejos. Eu tive muitos danos psicológicos e senti muita vergonha de certas partes da minha vida.
Voltar ao meu próprio corpo era um sentimento poderoso. Na verdade, eu não achava que iria me comprometer física ou emocionalmente com alguém novamente. Eu pensava que estava tudo acabado. Eu estou confortável com a ideia de ser solteira, mas novos desejos começaram a acordar e eu sentia como “Ah merda, talvez eu possa estar voltando…”. Isso me excitou. E também de deixou com medo.
6. “Dead Horse”
A música começa com um recado de voz no qual você fala sobre como estar com depressão e tentando sair daquela situação. Aquele recado era real?
Definitivamente é real – espere um pouco, pois o Alf colocou alguma coisa na boca. Falando do Alf, uma das razões pelas quais eu mantive o recado de voz foi porque ele estava latindo ao fundo. Era quase como se ele soubesse que iria participar do álbum. Eu estava no meu banheiro, gravando recados de voz para o meu amigo, Daniel James, com quem eu compus a música. Eu o havia dito, três dias antes: “Eu tenho a melodia e os versos, eu irei te mandar um recado de voz e iremos nos encontrar logo”. Mas eu caí neste buraco maluco da minha própria tristeza e não conseguia sair de lá. Essa música é como se o meu eu de 20 anos de idade finalmente tivesse compondo esses versos e dizendo as coisas que ela realmente precisava ter dito, mas que demorou até que eu completasse 30 anos para fazê-lo. Pode ser irritante, mas eu queria mostrar que precisei me sentir como uma pessoa completamente presa em uma concha para ser capaz de me abrir sobre os meus sentimentos. Essa música foi como tirar uma farpa que estava bem profunda.
7. “My Friend”
Essa música é basicamente sobre o meu amigo Brian. Gerenciamos uma companhia de produtos de cabelo juntos e nos conhecemos desde quando eu tinha 17 anos e ele tinha 19 anos. Nossa amizade passou por várias fases e passamos junto por algumas merdas muito pesadas. Nós nos divorciamos no mesmo ano. Somos como Thelma e Louise: eu sinto que eu poderia jogar o meu carro em um desfiladeiro com ele, se fosse preciso.
8. “Over Yet”
Essa música é tão animada – soa como se fosse um hino motivacional de aeróbica dos anos 80.
Eu me senti cafona por escrever aqueles versos. A única forma que eu conseguia terminá-los era mentalizando um filme no qual eu era uma instrutora de aeróbica durante um apocalipse: eu gritando sobre a música alta – “Continuem! Vamos lá!” – e, então, parte da minha face desaba e, na realidade, eu sou uma máquina. Eu tive que acessar uma parte sombria em mim para conseguir finalizar essa música super positiva. Por anos, todas as resenhas dos shows do Paramore me comparavam com uma instrutora de aeróbica, então eu estou tentando fechar esse ciclo e rir um pouco.
9. “Roses/Lotus/Violet/Iris”
Todas as três integrantes do boygenius – Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus – fizeram os vocais de apoio dessa música, um tributo impressionista ao sexo feminino.
Eu me sentia honrada. Elas são três das mulheres mais importantes da nossa cena musical e que estão falando verdades de maneira única. Elas são tão divertidas e é tão empoderador poder estar perto delas, elas são ótimas pessoas.
Eu realmente gostaria de escrever poeticamente sobre ser uma mulher e se relacionar com outra mulher, especialmente estando em uma indústria na qual as mulheres ainda são colocadas umas contra as outras. Na minha vida pessoal, por anos eu sentia que não confiava naquele relacionamento no qual estava, o que me levou a sentir que eu não poderia confiar em ninguém ao meu redor, especialmente em outras mulheres. Isso realmente me desestabilizou. Mais tarde, eu conheci várias das esposas dos meus amigos e também outras mulheres na estrada – nós saímos com o Bleached, Best Coast, Jay Som, Soccer Mommy – e eu estava cercada de mulheres que fazem as mesmas coisas que eu fazia, pessoas com as quais eu me identificava. Essa é uma música sobre a minha descoberta de como é poderosa e profunda a minha conexão com outras mulheres da minha vida.
Crescer em uma cena musical tão dominada por homens – especialmente na Warped Tour, onde é tão fácil internalizar a misoginia que acontecia em todo o lugar – houve algum momento no qual você sentiu que a sua consciência feminina estava vindo à tona?
Ah cara, isso demorou bastante. Primeiro eu tive que perceber o quão profundo estavam internalizadas todas essas coisas. Eu acho que isso começou quando reconheci alguns dos meus pensamentos retrógrados em “Misery Business”. Uma das razões pelas quais aposentamos a música foi que eu não conseguia mais me sentir em paz com ela e não conseguia mais me relacionar com ela. Aquele foi o começo do meu reconhecimento de que estava errada. Depois veio a minha descoberta do que era certo e como aplicar isso na minha vida.
Eu não diria que crescer sendo uma garota na Warped Tour era tão profundamente prejudicial para mim. Eu tive uma experiência bastante legal enquanto adolescente. Dito isso, também passei por alguns momentos sombrios. Jogaram camisinhas em mim e pessoas na plateia gritavam coisas horríveis. Naquela época, minha forma de lidar com isso era, “Bom, eu sou um dos caras, então vai se foder”, cuspindo neles o que eu podia e sendo espirituosa. E apenas tocando mais e melhor do que os outros caras da turnê seriam capazes de fazer. Eu apenas tentei ser a melhor. Tentei não deixar que aquelas merdas me fizessem parar. Mas essa não era a verdadeira resposta. Aquilo não fazia a minha vida melhor. Agora eu sou capaz de ser um pouco mais gentil comigo mesma e isso me faz uma pessoa mais conectada e forte.
10. “Why We Ever”
Essa música é um R&B solto, mas soa como se estivesse lidando com um sentimento de desconexão.
Quando os primeiros vestígios da minha queda apareceram, a minha terapeuta me disse “você precisa estar fazendo coisas”, pois eu era capaz de enterrar muito profundamente a merda. A minha depressão era tão profunda, mas eu ainda não era capaz de compreender todas as coisas que estava sentindo. Então Joey foi comigo até um Guitar Center e nós encontramos com o nosso empresário, que auxilia o Paramore antes das turnês. E então eu dizia: “Olha, cara, eu estou deprimida e estou quase gastando todo o meu dinheiro aqui e indo aprender Pro Tools”.
“Whe We Ever” foi a primeira que eu me gravei estando sozinha. A primeira encarnação da música foi meio ruim – eu tive que bater os meus pés no chão como se fosse a percussão, pois a minha bateria não estava montada. Mas toda vez que você está realmente deprimido, qualquer realização já é uma vitória massiva. Aquele foi o momento da virada para mim. Eu não sabia se estava fazendo um álbum que as pessoas iriam ouvir, mas sabia que eu estava fazendo coisas sobre aquilo que eu estava passando.
Eu realmente me senti sozinha. Eu sempre sabotei a minha vida pessoal, enquanto tentava recomeçar tudo após o divórcio. Eu tive uma oportunidade de explorar como era estar em um relacionamento promissor, mas devido às minhas experiências passadas, eu não me permiti nutrir essa coisa que poderia ter sido boa. De certa forma, isso foi parte de um catalisador para a minha cura, pois eu tive que entender o motivo de fazer isso. Não era tão simples, como “Bem, eu me divorciei e estou com medo de outro término”. Era mais fundo que isso. Levou muita terapia e várias conversas com a minha mãe para tentar entender quais eram as minhas primeiras experiências com o amor. No final das contas, eu apenas tinha muito medo do abandono.
11. “Pure Love”
Você canta sobre “experimentar” com alguém, o que obviamente pode ser interpessoal, mas parece que isso é uma alusão à música.
Isso tem muito a ver comigo superando o medo da intimidade e aprendendo novas formas de me conectar com alguém, tentando fazer com que me sentisse desconfortável como um ser humano, para poder crescer. Eu não planejava que as letras da terceira parte do álbum soassem como uma insinuação. Eu estava muito feliz em fazer isso. Então “experimentar” em um relacionamento – as pessoas podem pensar em algo sexual se elas quiserem, mas o que eu realmente vejo é: eu nunca estive um relacionamento saudável antes em toda a minha maldita vida. É hora de tentar sentir o que é se comunicar em um nível realmente adulto.
12. “Taken”
O que significa para você estar “comprometida” no contexto de estar livre?
A vergonha sempre foi um peso que eu carreguei por todos os lados, e houve um ponto onde eu percebi que eu não queria mais carregá-la; Eu fiquei realmente cansada de sentir que estava em areia movediça no meu relacionamento. Essa música é muito divertida, pois o tipo de relacionamento que eu estou procurando é um que pareça mais leve. Em algumas partes da música, talvez esteja reivindicando algo que eu ainda não tenha incorporado. Mas tenho fé que eu irei chegar lá. Duas pessoas tentando ficar juntas – como é que podemos fazer aquilo? Eu não sei como as pessoas fazem para dar certo, mas elas conseguem. E eu acredito que eu posso ser uma dessas pessoas.
13. “Sugar on the Rim”
O refrão me fez pensar em Nine Inch Nails
Quando Taylor e eu estávamos escrevendo essa música, ele me olhou enquanto tocava bateria e me disse “o que diabos estamos fazendo agora? Que tipo de música estamos fazendo?”. E eu disse “cara, eu não sei. Mas certamente não parece com algo que fizemos antes”. Eu sou tão intrigada pelo cenário que a América teve com a cena musical do rave em Nova Iorque, pois isso estava além da minha realidade de quando morava no Mississippi na década de 90. Ao trabalhar com música, nós temos acesso a essa grande casa e nós podemos nos acomodar em um único cômodo, ou podemos continuar a encontrar novas portas, passar por elas e compreender o que aquele cômodo nos traz. Para mim, ser humilde e sair da zona de conforto da maneira correta são o caminho para continuar curioso e criativo.
14. “Watch Me While I Bloom”
Você canta sobre se sentir sortuda em estar no seu corpo novamente – você se lembra do começo daquele sentimento?
Parte daquilo estava em ter o meu ciclo menstrual de volta. Por um tempo, o meu corpo era um assunto estranho para mim, então me sentir biologicamente conectada comigo mesma era algo poderoso. Durante todo o ano de 2017, a minha única meta foi ganhar um pouco do peso que havia perdido por causa da ansiedade e dos mecanismos de defesa que não eram saudáveis para mim. Foi um dos momentos da minha vida em que eu pensei: “Puta merda. Eu estou voltado a ser eu mesma. Isso é doido”.
Existe uma imagem evocativa de terra e solo: “Se você sente que nunca irá chegar ao céu/Até que você arranque as suas raízes, deixe a terra para trás…”
As letras são as minhas partes favoritas no processo de composição e eu amo muito aquele verso, eu me sinto muito orgulhosa por aquilo. Eu tenho essa coisa de que eu amo as segundas-feiras. Eu amo o primeiro dia de janeiro. Eu gosto de novos começos. Algumas vezes, eu preciso me impulsionar para a mudança. Isso pode me levar à procrastinação, pois fico esperando pelo momento certo e, algumas vezes, a vida não vai te dar aquelas oportunidades. Você precisa se levantar enquanto ainda está coberta de lama e descobrir algo por si próprio.
15. “Crystal Clear”
Qual sentimento você queria evocar na parte final do álbum?
Sentir apaixonada. Com ênfase no sentir – pois mesmo com o meu medo, a minha dureza ou qualquer resistência com a vulnerabilidade, eu não consegui não me sentir apaixonada.
Todos do Paramore tocam nas duas últimas músicas também.
Eu sinto que a permissão que nos demos ao fazer o “After Laughter” é o mesmo tipo de permissão que nos demos no “Petals for Armor”. E isso me deixa animada para saber aonde o Paramore irá em seguida. Algumas vezes falamos sobre como sentimos falta daquelas músicas barulhentas e cheias de guitarra. E algumas vezes conversamos sobre como nós somos obcecados com o Aphex Twin e se seria ridículo caso todos nós subíssemos ao palco com diferentes sintetizadores e máquinas. O legal é que isso não importa, pois nós podemos fazer qualquer coisa. Desde que nós estejamos dispostos a aprender e crescer, indo tão longe quanto nós podemos chegar.
Tradução e adaptação: equipe do Paramore BR | Fonte