Em mais uma entrevista intimista, Hayley Williams dessa vez se abre com o portal da NPR expondo detalhes de sua trajetória pessoal até seu lançamento como artista solo. Entre os assuntos, a conversa aborda sobre o processo de criação do “Petals For Armor”, mulheres na música e ainda são recebidas algumas palavras de Taylor York, Daniel James, que foi colaborador no álbum, e Becca Mancari, sua amiga pessoal. Confira a tradução!
Há flores por toda a casa de Hayley Williams em Nashville, tanto vivas quanto mortas: buquês secos de rosas murchas e enroladas, hortênsias da cor de páginas antigas de um livro, vasos vibrantes de amores-perfeitos roxos e brancos crescendo no sol do pátio. De início, essa ideia foi de seu terapeuta: se rodear de flores – ela nunca foi muito uma pessoa de flores, nunca se sentiu tão conectada com essas ideias de feminilidade estar associada a ela. Mas Williams começou a ver isso de forma diferente, a guardá-las até depois de sua beleza tradicional desaparecer.
“Flores se tornaram um jeito simples de me lembrar de beleza e resiliência, e como podemos sobreviver quando somos cuidados”, Williams conta à NPR. Ela está em casa, claro, em Nashville, conversando por videochamada enquanto o rabo de seu cachorro Alf aparece e desaparece da tela. Têm sido alguns dias particularmente difíceis da quarentena para a líder de 31 anos do Paramore e agora artista solo, então hoje ela trocou suas pantufas e moletom por uma “roupa de verdade”. Isso ajudou um pouco, ela pensa: um gesto pequeno de autocuidado como um fertilizante para a alma. “Mas as flores também demonstram”, ela adiciona, com um olhar fixo para a câmera, com seu cabelo loiro caindo sobre suas sobrancelhas expressivas, “quando não estão sendo cuidadas”.
Flores nunca mentem – se você não as rega, alimenta ou as expõe ao sol, elas falham em prosperar. Mas pessoas podem ser diferentes. Pessoas podem murchar por dentro enquanto parecem saudáveis por fora, escondendo pétalas murchas e raízes emaranhadas ao redor de corações feridos. Por anos, Williams esteve em uma relação tóxica e em um casamento que, olhando por cima, parecia estar atingindo todas as expectativas. Na verdade, como ela canta na perfeita e infecciosa “Dead Horse”, ela estava prendendo sua respiração por uma década.
Portanto, é apropriado, de certa forma, que Petals for Armor seja o álbum solo que ela nunca pensou que faria, 16 anos depois que o Paramore foi formado em Franklin, Tennessee. Ela canta sobre versões de si mesma que nunca pensou que seria, sobre a pessoa que você pode se tornar quando se dá sustento suficiente para prosperar depois de encher seu mundo com sonhos e buquês falsos e sobre como depois de uma vida inteira pensando na feminilidade como um veneno ela passou a vê-la como uma proteção.
“Eu tive que me jogar no fogo,” ela diz, “antes de entender a verdade.”
Fúria e raiva, é onde Petals for Armor começa. “A raiva é uma coisa quieta,” ela canta em “Simmer,” suas primeiras palavras como uma artista solo, “Você acha que a dominou / mas ela está lá esperando.” Sua raiva, fervendo, pelo que passou em seu casamento, pelo que mulheres em sua família sofreram e por tudo que ela teve que superar como uma jovem crescendo no mundo tóxico das celebridades. Ela pensa constantemente nesses primeiros anos do Paramore, momentos onde esperavam que ela levasse na brincadeira. Um desses momentos se destaca mais.
“Eu estava usando um top com um decote quadrado no palco e do nada alguma coisa cai no meu peito,” ela conta. “Eu estou toda suada porque está calor, e eu olho pra baixo e vejo camisinhas coladas em mim. Eu fui pra cima de quem jogou coisas em mim e gritou para que eu tirasse meu top. Eu não dei a mínima. Eu recordo essa situação agora e fico tipo ‘Você não tinha que ter passado por isso! Você deveria estar conseguindo seu primeiro emprego em algum lugar.’ Essa não tinha que ter sido minha iniciação no mundo real.”
Ela começou a se sentir como uma mãe para sua eu mais nova, se questionando sobre como ela pôde deixar aquela criança passar por tudo que passou. “É como tentar me ver como uma inocente que não merecia algumas dessas coisas que eu vi ainda muito nova e como uma mulher jovem,” ela diz. Se perguntando, “como eu iria reagir? Como eu me protegeria? Se fosse outra pessoa naquele lugar, eu levaria um tiro por ela.”
Ainda assim, Williams tomou muitos tiros ao longo da existência da banda. Sempre que o Paramore tinha uma turbulência interna – algo que não é raro de se ver quando um grupo de pessoas fortemente criativas e independentes é formado e é exigido delas que sua criatividade também seja comercial – o culpa pública sempre pintou Williams como a vilã, a mais impossível de todas, a que teria algum motivo oculto. Nada disso é a realidade, mas é exatamente onde nós costumamos situar uma força feminina central e poderosa: ela deve estar procurando outra coisa, algo a mais, suas ações são sempre caprichos de uma “drama queen”.
Ela questiona se a narrativa seria diferente se ela não fosse uma mulher. “Meus melhores amigos saíram e eu fui pintada como a vilã,” Williams fala. “Se eu fosse um homem, como eu teria sido vista?”
Essa raiva faz parte do Petals for Armor, mas não é tudo – é só parte da história. Ainda assim, ela não está com medo de deixar o público ver sua raiva, mesmo que ela tenha visto ídolos como Tori Amos e Alanis Morissette serem acusadas de serem “mulheres furiosas” ao invés de processadoras de emoções humanas naturais. “Como isso aconteceu? Como nós de repente rotulamos essas pessoas como ‘vadias loucas’? Eu não consigo entender como isso aconteceu. Você poderia pensar que, culturalmente, nós continuaríamos a crescer e nos liberar.”
Esse foco na “fúria” ultrapassa nossa habilidade de ver o gênio dessas artistas – mulheres estão raramente imunes e levam anos ou décadas para sair dessa classificação.
“No meu ponto de vista, Hayley ser uma mulher nunca foi o principal,” diz Taylor York, membro do Paramore. “É algo para ser celebrado, mas não de uma forma que faça parecer que ela participa de um clube de elite onde ela é permitida a andar com os meninos. Já vi ela brilhar mais que muitos homens durante esses anos, mas o que é importante não é que ela ofusca outros homens, mesmo que isso seja muito incrível de assistir, mas sim que ela é uma cantora fenomenal, escritora e artista, e ela merece reconhecimento por essas coisas. Nunca vou entender o porquê esses caminhos sociais para reconhecimento e igualdade das mulheres, ou qualquer um que se identifique de outra forma, são diferentes dos homens.”
Como vocalista da banda vencedora de Grammy, Williams nunca se fechou emocionalmente: o disco mais recente do Paramore, After Laughter, 2017, conta suas próprias histórias de depressão, dor, e entendimento de que talvez todos estejam sorrindo só para que você não veja as lágrimas. Mas durante todas as etapas de After Laughter, Williams estava sofrendo, seu casamento com Chad Gilbert, do New Found Glory, estava chegando ao fim. Ela se lembra de adormecer durante as gravações, tão exausta mentalmente que era difícil se manter em pé. Ela não conseguia comer, e bebia muito durante a turnê. Quando finalmente voltou a Nashville e iniciou terapia intensiva, sua amada avó sofreu um acidente que resultou em severa e permanente perda de memória. Foi um contraste amargurado, mas essencial, enquanto ela trabalhava em seus próprios traumas e tomar controle da própria vida, outros que ela amava, estavam perdendo controle das próprias.
Ela começou a transformar tudo em música – de início sozinha em sua casa, depois com ajuda de alguns rostos já familiares. “Don’t nobody tell me that God don’t have a sense of humor,’’ (não me digam que Deus não tem um senso de humor) ela escreveu em ‘’Leave It Alone’’ com Joey Howard, baixista na turnê do Paramore e que se tornou um parceiro criativo vital em Petals for Armor. “Cause now that I want to live, well everybody around me is dying.” (Pois agora que quero viver, todos em minha volta estão morrendo).
Howard não foi o único membro do Paramore que esteve envolvido. O colega de banda e amigo desde a adolescência, Taylor York, acabou produzindo o álbum, o seu primeiro, e fazer todo o projeto foi uma nova aventura para os dois. Eles estavam descobrindo juntos, como sempre fizeram, uma lembrança de duas crianças começando uma banda de rock, sem nem imaginar o futuro brilhante que tinham pela frente.
‘’Foi muito revigorante ver o que se desenrolava durante o caminho, porque essas músicas eram, em questão de estilo mais parecidas com as que eu sempre quis fazer parte.’’ Diz York sobre o álbum que mistura influências de SZA e Radiohead com Spice Girls e teve também inspiração nas harmonias da dupla Nigeriana Lijadu Sisters.
“Eu também estava muito animado para ver o resultado do trabalho dela com outros escritores e colaborações fora da banda,’’ York continua. ‘’Nós nunca nos interessamos em compor com pessoas fora do Paramore, mas, com esse projeto, nós fomos capazes de interagir e se inspirar em energias diferentes da nossa, isso certamente foi novo para nós, e incrivelmente renovador.’’
Zac Farro, seu outro colega de banda, toca bateria no álbum também, e é diretor do vídeo de Dead Horse, que está para sair.
‘’Ela sempre foi uma autora muito confessa, o que refletiu em seu público durante sua carreira, mas a profundeza desse álbum chegou a outro nível’’ diz Daniel James, que colaborou na escrita de muitas músicas em Petals for Armor.
Mesmo ela não tendo planejado de início essas colaborações, ter trazido boygenius – O trio formado por Phoebe Bridges, Lucy Dacus e Julien Baker – se tornou uma expressão perfeita da alma de ‘’Roses/Lotus/Violet/Iris’’, uma música sobre todos os tipos de beleza e força feminina que podem, e devem existir. É quase ao contrário do agora um tanto controverso hit do Paramore ‘’Misery Business’’, que Williams escreveu ainda adolescente, e que segundo ela não representa mais como ela se sente sobre outras mulheres, mesmo que elas não se deem bem.
‘’I will not compare other beauty to mine’’ (Não vou comparar outras belezas com a minha), ela canta, ‘’I will not become a thorn in my own side’’ (Não vou me tornar um espinho no meu próprio lado).
Williams deveria estar em divulgação de Petals for Armor agora – que está sendo lançado em EPs, o terceiro e último nesta sexta feira, completando o álbum – e não sentada em seu sofá com seu cachorro, bebendo um smoothie e falando com uma tela. Mas ela não consegue deixar de pensar, se isso foi para o melhor. Nas primeiras divulgações do disco, ela passou por três cidades europeias em 24 horas, já percebendo que teria que falar sobre as perdas e perturbações emocionais que se espalham por todo o álbum. ‘’Eu não sei se quero que seja assim’’ ela se lembra de ter pensado ‘’Não sei se me importo assim’’
Ela passa seus dias assistindo shows antigos do Paramore com a animação de um fã, fazendo vídeos de dança e, movendo seu piano para a sala de estar, enquanto sonha em colaborações com os Dixie Chicks no CMT’s Crossroads (só para vocês saberem Chicks, ela quer muito, muito isso). Ela tem assistido filmes, especialmente os que tem heroínas femininas, e talvez com alguma vingança terrível. ‘’Eu amo filmes de vingança’’ diz ela. ‘’Eu apenas gosto de justiça’’.
Muita dessa justiça está aqui, de forma poética ou em seu chalé em Nashville, para onde ela se mudou ao fim de seu casamento e fez seu lar – suas próprias decorações, suas próprias flores, sua própria mobília, escolhida não para um futuro que ela desejou ter, e sim o que ela tem agora. Petals for Armor é, em partes, sobre achar este lugar para ela mesma, sozinha. Ela tem relido o livro da Dr. Clarissa Pinkola Estés’ chamado Woman Who Run With The Wolves (Mulheres Que Correm Com os Lobos), e tem uma passagem em particular que fala sobre o poder que as mulheres podem ganhar quando elas se dão a liberdade de ir para ‘’casa’’, seja onde ou o que for: ‘’Elas retomam suas vozes e escrevem. Descansam. Fazem de algum canto do mundo o próprio canto. Tomam decisões enormes ou intensas. Fazem algo que deixa rastros.’’
Quando ela resolve se aventurar fora de casa, é para ter caminhadas com ‘’distanciamento social’’ com suas amigas Becca Mancari e Julien Baker, considerando a importância de lançar músicas em tempos como este. ‘’Isso importa? É estranho promover um álbum durante uma pandemia global? Como era para os artistas e 1960 durante a guerra do Vietnã quando lançavam músicas de protesto? Será que eles percebiam o quão importante isso era para as pessoas ou se sentiam bobos?’’ Williams se questiona. ‘’Parecia fútil fazer algo e tentar celebrá-lo?’’
Mas principalmente, Williams tem contado com suas amizades, as amizades femininas, especificamente, para se apoiar – é um comportamento aprendido depois de anos vivendo em um mundo dominado majoritariamente por homens, onde é implantada a ideia na cabeça das mulheres que sobrevivência significa ser ‘’um dos garotos’’, e ver outras mulheres como concorrentes. ‘’Nós estávamos inseridos em um cenário tão cheio de misoginia internalizada que eu simplesmente não sabia’’ diz ela, balançando a cabeça.
Petals for Armor usa a dor para reconciliar essa experiência: sua própria feminilidade e versão como mulher, sua relação com outras mulheres, e o contexto em que ela permitiu a si mesma e sua arte existirem. Deu trabalho, mas aqui está ela agora. ‘’Foi um desenrolar muito demorado para mim. Entender o que as feridas fizeram com a minha perspectiva feminina. Com meu ponto de vista específico, ser uma mulher jovem nos meus vinte anos, ter raiva.’’
É muito sincronizado, de alguma forma, que o disco de Williams esteja saindo na mesma época que Fetch the Bolt Cutters de Fiona Apple – um álbum muito diferente de Petals for Armor, mas caminhando para um conceito similar: duas mulheres, bem inseridas em seu próprio universo, vocais incrivelmente poderosos e capacidades singulares, em um mundo quase todo reconciliado com suas próprias forças. Duas mulheres, vendo conflitos em sua definição de o que é ser mulher. Duas mulheres que tiveram que batalhar por uma década (ou duas) para serem propriamente vistas como gênias que são.
‘’Para mim, essas músicas novas dão a sensação de estar acordando de um sonho e tendo uma realização clara do que aconteceu em histórias tão pessoais’’ diz Becca Mancari. ‘’E sim, essa história é única para Hayley, mas é muito maior que isso, eu sinto que ela nos convida para observar nós mesmos, nossas próprias histórias, nossas próprias realizações.’’
Mancari acrescenta que essa coleção de músicas novas ‘’me faz lembrar de um trecho de um dos meus poemas favoritos de Adrienne Rich’’:
Eu vim para explorar os destroços / As palavras são propósitos / As palavras são mapas / Eu vim para ver o estrago que foi feito / E os tesouros que prevalecem
Palavras e histórias são mapas. Elas deixam vestígios. Williams mostra os estragos feitos em toda sua música e sua face, onde o mundo pode ver o seu passado, seus erros, seus triunfos. A capa de Petals for Armor tem ela com pequenos quadradinhos pretos indo de seus dedos envolta dos seus olhos – os quadrados foram o que sobraram de quando ela cobriu sua tatuagem com as iniciais do nome do ex-marido, e ela não esconderá mais as cicatrizes. Elas fizeram o que ela é hoje.
“I myself was a wilted woman, drowsy in a dark room,” Canta Williams em “Roses/Lotus/Violet/Iris.” “Forgot my roots / Now watch me bloom.” (Eu era uma mulher murcha, inerte em um quarto escuro) / (Esqueci minhas raízes / Agora me veja florescer).
Tradução e adaptação: equipe do Paramore BR