Em uma entrevista longa e um tanto intimista para a revista Dazed, a cantora Hayley Williams abre o jogo a respeito de como se deu o diagnóstico de depressão, quais foram as suas inspirações pessoais para começar a compor em um projeto solo, seu desejo de ser mãe e a força feminina que ela cavou em si mesma.
Confira a entrevista completa e traduzida:
A líder do Paramore floresce em seu álbum de estreia, Petals For Armor. Aqui, ela discute como trauma, feminilidade e terapia formaram o álbum.
Em 2018, Hayley Williams estava vasculhando os pacotes de roupas íntimas em uma filial da Target em Nashville quando uma jovem apareceu de trás de uma prateleira de roupas. “Eu também tenho depressão!”, ela afirmou. “Obrigada pelo After Laughter!”. Isso foi uma breve e séria declaração, e que mexeu com Williams. “Aquele álbum foi o começo de um acerto de contas para mim”, ela me diz hoje. “Havia merda vindo para a superfície. Minha depressão estava exigindo ser reconhecida”. Ver pessoas se conectarem com seu lado sombrio foi “uma bênção”, Williams diz, “mas eu não estava preparada para quão mal isso ficaria. Ainda tenho algumas coisas para escavar, e quando eu finalmente colocar a mão na sujeira…”.
Que a vocalista do Paramore, os titãs emo que definiram uma era angustiante do pop punk dos anos 2000, estava tão desolada de seus sentimentos, parece um pouco chocante. “All We Know Is Falling”, o álbum de estreia da banda de 2005, tem uma beleza fervorosa – ele agita com guitarras pesadas e melodias velozes de quebrar pescoços, com a voz da Williams de 16 anos como um relâmpago no hino romântico com screamo “My Heart”. Em um mar de homens deprimidos do pop punk, ela era um dínamo. A partir dali, o rompedor “Riot!” pula do desafio juvenil para os hinos dirigidos pelo pop sobre romance e sonhos frustrados. A fúria desenfreada e a frustração da composição de Williams explodiram no “Brand New Eyes” de 2009 – “Ignorance” é um cuspe de fogo sobre a relação desgastada da banda, e sua ferocidade provocou conversas que os salvaram da separação do grupo para sempre. “Não é uma raiva muito adulta, né?”, Williams diz. “Mas eu a amo, por causa do lançamento e direção que isso nos deu”.
A cada nova fase, Williams confessa cada vez mais nas suas composições. “Brand New Eyes” explorou a saída do baixista Jeremy Davis, assim como o doloroso rompimento do guitarrista Josh Farro com Hayley. O auto-intitulado do Paramore, de 2013, trouxe as sensibilidades emos ao sucesso dos charts. Mas foi no álbum de 2017, “After Laughter” – uma reflexão efervescente sobre descobrimento de identidade, saúde mental e relacionamentos se solidificando sob luzes de neon – que marcou uma nova era para a banda, sua composição foi introspectivamente diferente de qualquer coisa escrita por Williams anteriormente. Por mais de uma década, suas palavras estavam nos usuários do MySpace, tatuadas em costelas e escandalizadas para a banda em turnês mundiais. Já em 2020, como uma artista solo, Hayley tem seus próprios sentimentos para desembalar.
Quando nos encontramos em um quarto de hotel em Londres, Williams ficou empolgada com a minha conexão pessoal com seu trabalho: quando matei aula, pela primeira e única vez, para comprar o “Brand New Eyes”, ou quando arranquei um colar de “The Only Exception” do meu pescoço e joguei na calha após meu namorado do ensino médio, que o comprou para mim, sem cerimônia terminou comigo em uma cafeteria Costa (Eu voltei lá depois para procurá-la sem sucesso; Williams prometeu me ajudar com a caça para uma nova). Ela me cumprimenta calorosamente com um abraço, e todo 1.55 de altura dela, vestida em um moletom preto e calça tie-dye da Collina Strada, se enrola em uma poltrona para conversar.
“Eu amo conversar com jornalistas mulheres, sabe”, ela diz. “Tem um tipo de empatia que é totalmente indescritível. Eu me encontrei sendo mais grata por isso nesse ciclo de divulgação… Às vezes desejo que a vida seja apenas um banheiro feminino em um show. Você teria amigas constantemente conversando com você antes de ir para o mundo. Você pensa que o banheiro dos meninos é assim, de jeito nenhum!”. Ela chacoalha sua cabeça, encenando. Seu cabelo é descolorido, mas a mulher de 31 anos vai estar brincando com um tom a prova d’água em breve (ela é co-fundadora da marca de tinturas vegana Good Dye Young), um rígido contraste ao mullet alaranjado juvenil que ela usava na iconografia mais antiga da banda.
“Eu acho um pouco difícil olhar para trás, para essa era em particular”, ela diz. “Eu posso ver o quão resguardada eu estava. Eu posso ver nos meus olhos que eu estou lutando com segredos que eu estava guardando, até mesmo das pessoas mais próximas de mim. Quando terminamos o After Laughter e aqueles anos turbulentos na estrada, eu senti uma mágoa profunda e uma raiva que estavam esperando pela minha atenção”.
A jornada para a vulnerabilidade que floresce em seu álbum de estreia, Petals for Armor, tem sido um tumultuada: uma vida familiar fraturada e discordância na banda; seu divórcio com seu namorado de longa década, Chad Gilbert do New Found Glory; e sua saúde mental e física em queda livre. Muito disso aconteceu enquanto estava vivendo uma vida em turbilhão na estrada e em estúdios de gravação, aos olhos do público, e na internet. “Me abrir é algo que eu tive que praticar”, ela diz. “É como se fosse um músculo, e isso não acontece facilmente toda vez, mas vem acontecendo naturalmente cada vez mais”.
Seguindo o After Laughter e uma cansativa imprensa e turnê, ela finalmente voltou só o pó (e potencialmente assombrada) da casa de Nashville em que vive, sozinha pela primeira vez. Lá, ela começou a terapia. Ela tinha a intenção de dar um tempo da música, mas sua terapeuta encorajou-a para escrever sobre seus traumas mais recentes. “De repente, eles estavam se formando nessas músicas. O que eu estava dizendo realmente me assombrou. Estava tudo lá”.
Depois do divórcio de seus pais, e do subsequente término instável de sua mãe com seu padrasto, Williams foi arrancada do Mississippi para Tennessee, em Franklin – perto demais do paraíso da música country, Nashville. Foi lá que a Williams de 14 anos assinou com uma gravadora, mas ela e sua mãe tiveram que continuar a apoiar amigos e doações para a igreja, e moraram em quartos de hotéis e trailer. Mais tarde, Williams escolheu fazer homeschooling (educação em casa) depois de ataques de bullying por conta de seu sotaque de sulista. Foi em um programa de tutoria pessoal que ela conheceu Zac Farro e, depois, Josh Farro e Taylor York, que se tornaram seus parceiros de banda no Paramore. Embora os executivos da gravadora tenham prendido Williams como uma artista solo, ela exigiu o seu desejo de estar em uma banda de pop-punk. “Era para fazer a minha própria família”, ela diz com certeza. “Eu estava procurando por uma família escolhida que pudesse realmente me entender”.
Com o passar dos anos, o Paramore teve uma formação rotativa de pelo menos sete membros, com a Williams sendo a constante. O drama deles foi esbanjado nas manchetes sobre buscas por créditos de composição e ambições solo. “A era do Riot! foi difícil. Eu queria só dormir por um milhão de anos, mas seria mais uma década naquele momento”, ela diz empaticamente. Hoje, eles são um trio sólido, com Taylor York na guitarra e Zac Farro na bateria. A banda está atualmente em hiato enquanto seus membros procuram suas próprias aventuras, embora tudo em boas condições – Tanto York quanto Farro trabalharam com Williams no Petals for Armor.
Quando aconteceu de compor para o Petals for Armor, um dos maiores desafios para Williams foi “possuir essas histórias como minhas próprias, e aceitar tudo que vier com isso”. No dia anterior à entrevista, ela tocou no Live Lounge da BBC Radio 1, estreando “Simmer” e um cover exuberante de “Don’t Start Now” de Dua Lipa, e revelou sua incredulidade ao dizer seu própria nome pela primeira vez, sem o “Paramore”. Mesmo em seus projetos paralelos anteriores e features como convidada, ela sempre foi conhecida como “Hayley Williams do Paramore”. Ela teve que desaprender isso, ela diz, para “ser cautelosa com a solidão, para ter um pouco de medo ou vergonha disso”.
“Eu gosto de lançar luz sobre outras pessoas, de compartilhar espaço”, diz Williams. “É mais fácil para mim ser orgulhosa dos meninos do Paramore, muito mais do que ser orgulhosa de mim mesma. Eu ainda estou aprendendo como balancear isso, para aprender a valorizar o meu próprio trabalho. Eu me sinto animada sobre o que vou trazer para o Paramore porque eu estou aprendendo tanto! Mas eu estou tentando estar presente. Estou aprendendo a dar às pessoas a oportunidade de estar orgulhosa de mim e de me apoiar também”.
O crescimento miserável e pessoal se iniciou nos altos e baixos do After Laughter. Antes de seu lançamento, ela deixou Gilbert e se divorciou no final daquele ano. Uma das faixas centrais do álbum, “Pool”, foi uma luta de mais de um ano, começando como uma balada pop e decrescendo em uma metáfora sombria sobre se afogar nas incertezas do relacionamento. Debaixo do lustre de “Fake Happy”, escondido em suas cavernas eufóricas, estava a luta de Williams para reconhecer sua depressão e seu relacionamento irrecuperável. “Não ter sido honesta sobre a minha raiva me deixou doente. Eu não comia, eu estava bebendo, eu não estava bem com o meu corpo”. Ela começou a beber antes dos shows nas arenas para passar por isso, e seu peso chegou ao seu nível mais baixo. “Minha vida parecia estar devastada. Eu senti que não tinha mais nada a perder, apenas, estava totalmente vazia”, ela diz claramente.
Foi na jornada do Petals for Armor que a metamorfose de Williams tomou forma. A mágoa e o trauma que inflamou o After Laughter ganhou claridade e propósito. As músicas começaram a modular traumas que surpreenderam até a própria Williams: o divórcio de seus pais, desconfortos ao redor de seu casamento desde o começo, um medo primitivo de ser abandonada. A raiva se tornou energia, um recurso catártico. “Simmer”, uma faixa sobre mulheres que sofreram abuso na sua família, inicia-se com uma expressão “singular, uma ebulição”, “Rage”. “Eu queria mergulhar nas profundezas dos meus medos e da raiva. Não estava lutando contra eu trazer tudo isso à tona, mas queria fazer surgir”.
Petals for Armor está estruturado em três partes, o som e as letras refletem distintamente sua recuperação mental, da escuridão para a luz. “Eu ainda tenho uma mente sombria e idiota”, ela diz. “Estaremos sentados com os meninos, tendo um bom momento, e ficarei muito triste com a ideia de nunca ficarmos juntos. Por que eu sou tão deprimente? Eu sou um ímã para a tragédia. Eu tenho que lutar, mas também aceitar isso”. Escrever faixas como “Leave It Alone” foi um exercício catártico para reconhecer esse medo, enquanto “Cinnamon” é um ponto da situação para novas maneiras de enfrentamento.
Em “Dead Horse”, Williams compartilha como “seu relacionamento mais significativo” com Gilbert começou como um affair, enquanto ele ainda estava no seu casamento anterior. “Eu queria abordar as vergonhas dos meus 20 e tantos anos, finalmente. Eu cometi muitos erros e eu estou muito disposta a falar sobre eles, mas não às custas de outra pessoa”, ela diz, deixando os detalhes para ser bondosa com Gilbert. “Eu estou colocando muita coisa para fora. Eu quero que as pessoas tenham a oportunidade de embarcar nisso com essa ‘eu’ ou se afastem, eu devo isso a elas. Ao mesmo tempo, sou grata por não estar pensando em ninguém além de mim mesma quando escrevi essas músicas”.
Williams dá créditos à sua terapia e outros tratamentos homeopáticos por reconhecer o trauma e ganhar autovalorização. “Eu tenho aprendido que ser abandonada é um gatilho real para mim. Imaginar-me perdendo as pessoas. Acho que por conta do divórcio dos meus pais… Eu fui uma pequena criança achando que isso era culpa minha. A banda acabando de qualquer forma era aterrorizante também”. Ela percebeu que ela estava tentando emular o único relacionamento sólido que ela viu, que era o de seus avós, e corrigir os seus sentimentos errados sobre o divórcio dos seus pais com o próprio parceiro, com a tangibilidade do casamento. “Eu tive que retomar de volta algumas decisões difíceis que tomei, imaginar novos caminhos”.
Uma sessão particular de terapia craniossacral deu-lhe clareza: na cama, ela imaginou seu corpo grotescamente brotando flores. Quando ela abriu seus olhos, a massagista colocou pétalas sobre ela. É uma metáfora para um crescimento doloroso que ela deveria suportar, a motivação central do Petals for Armor. “Penso em todas as mulheres murchas”, ela canta em “Roses/Lotus/Violet/Iris”, “arrancando todas as suas pétalas”.
“Eu encontrei resiliência, bravura e força através da minha mãe, e a terapia me trouxe isso de volta”, diz Williams, adicionando que ela se sente esperançosa que um dia ela mesma possa ser mãe. “Parece um desafio digno – eu quero essa responsabilidade, esse amor que parece maior do que eu”.
As imagens sugestivas e pastoris correm paralelas à mudança de relacionamento de Williams com sua feminilidade, florescendo através do álbum. “Eu visualizo a feminilidade como mãos fortes, alcançando a terra. Isso está nas composições, cavando além das pedras e das merdas difíceis, cultivando o solo até que haja um lugar para plantar alguma coisa”. Ela assistiu o horror rural de Ari Aster, Midsommar, várias vezes, encantada com a cena de gritos comunais das mulheres. Conversas em uma recente cerimônia do chá para mulheres que ela participou inspiraram-na a explorar a saúde e a psicologia das mulheres. “Eu tinha 30 anos quando comecei a compor esse projeto. Eu acordei aos 30, e eu me senti muito atenta ao meu corpo, do trabalho que eu tenho feito, meus desejos e esperanças, e todos eles soam muito femininos, eles soam terrenos também”.
A feminilidade é algo que ela luta contra há muito tempo. “Eu sempre fui um pouco tímida sobre minha feminilidade, sempre querendo mostrar meu lado durão primeiro – esse foi um grande catalisador para o álbum. No palco, eu sempre ofendi as expectativas estereotipadas de ser uma fêmea. Eu queria apenas ser um espírito. O palco e a minha música são onde não sou tão vaidosa ou vergonhosa. Estou desaprendendo isso… Eu realmente queria que todos se envolvessem no projeto para imaginar a feminilidade em formas diferentes do que as pessoas estão acostumadas a enxergar – é primária e feroz, bruta e bonita”.
Em momentos mais sombrios, Williams se distanciou das amizades, mas encontrou laços fortalecidos com as mulheres em sua vida – sua mãe, amigas de infância, esposas e namoradas dos colegas de banda – foram as que mais a ajudaram. “Quando eu comecei a ser um pouco mais aberta sobre as coisas com as mulheres na minha vida, minha música soou diferente. Para me sentir vista nos momentos em que eu fui diagnosticada com minha depressão, quando eu comecei a tomar medicamentos ou enfrentando o divórcio – eu encontrei a fé novamente, mas nas mulheres. E na vida, eu nunca me senti mais… Feminina? Tão orgulhosamente feminina. Com isso, eu estou dando a mim mesma a bondade que mereço”.
Os erros e a desarmonia de seu passado florescem na bondade e da redenção que Williams se permite hoje. Continua sendo um processo em constante evolução. “Estou tentando não me filtrar ou desviar dos obstáculos imaginários antes mesmo de eles aparecerem! Mas eu me sinto mais aceitável agora por não estar no controle. Eu preciso me permitir ao espaço para imaginar”. Alguns dias são passados compondo com Taylor York, ou pintando e bordando pela autobiografia da Debbie Harry. E ela está aderindo à terapia, cultivando traumas para criar bases para um futuro frutífero. Digo a Williams que essa nova era me lembra o poema de Mary Oliver, “Wild Geese” (Gansos Selvagens), sobre nos libertarmos das exigências da sociedade para viver como a natureza vive, autêntica a nós mesmas: “Você não precisa ser boa… Você só precisa deixar que o delicado animal do seu corpo ame o que ele ama”.
“Eu amei isso”, ela diz, “Eu me sinto otimista – por que não levar a esperança para onde você pode obtê-la?”.
Petals for Armor I já está disponível, e o álbum completo será lançado dia 8 de maio.
Tradução e adaptação: Paramore BR