New York Times: “Como Hayley Williams salvou a si mesma (e ao Paramore)”
Por Raquel Guets em 4 de março de 2020
Em uma longa entrevista para Caryn Ganz do New York Times, Hayley Williams se abriu sobre seu processo de divórcio, traumas familiares passados e os problemas com a banda Paramore, além de revelar alguns detalhes sobre a composição do seu novo álbum solo, Petals for Armor. Um trecho de uma música inédita, “Dark Horse“, também foi incluído na entrevista. Confira a tradução na íntegra:
NASHVILLE, – 8 graus no meio de Novembro e Hayley Williams corria nua pelas florestas do Tennessee. Podemos dizer que esta metáfora foi terrivelmente apropriada.
O Paramore, banda pop-punk multiplatina que foi liderada pela cantora e compositora de 31 anos durante quase duas décadas, tinha terminado a tour do álbum After Laughter um ano antes do previsto. Sem saber que ela lutava contra a depressão e estresse pós-traumático, Williams se internou em uma clínica de terapia intensa logo que voltou para casa. Sua terapeuta pediu que ela escrevesse. Foi assim que, mais tarde, nasceu o projeto solo, algo que Hayley prometeu que nunca aconteceria. O processo remexeu em memórias da infância e no turbulento casamento, arrancando as raízes da dor com as próprias mãos.
Ela cavou fundo. Lá estava, nua, no meio de uma floresta, filmando o vídeo de seu primeiro single: uma faixa imprevisível, com variações de batidas, chamada “Simmer” que inicia-se com sua respiração catártica, seguida da palavra “rage” (raiva). O primeiro conjunto de canções foi lançado em fevereiro e a segunda está bem próxima; o álbum completo “Petals for Armor” estreia no dia 8 de maio.
“Eu realmente acreditei em mim mesma, se isso servir de consolo para alguém”, disse Williams no mês passado sobre sua promessa de nunca fazer tudo sozinha, e soltou uma gargalhada suave. Ela foi colocada em uma cabine em um café que frequenta perto de sua casa, abrindo-se na primeira, de três conversas, sobre o que motivou a sua decisão de dar um salto de confiança ao seu próprio nome. Seu cabelo estava loiro, seus óculos de cor cinza eram redondos e o chapéu azul pálido que protegia o seu rosto estava bordado com letras de uma música cínica dos Descendents sobre a banalidade insensível da vida suburbana: “I want to be stereotyped/I want to be classified (Eu quero ser estereotipado/Eu quero ser classificado)”.
Williams passou alguns anos tentando desempenhar um papel como esposa suburbana e quase desistiu de sua carreira para isso. Em público, ela era uma chama vibrante, uma presença magnética com cabelos cor de doce e as platéias em arenas envolvidas em todos os movimentos. Em particular, porém, ela estava presa em ciclos de desconfiança e vergonha. Era uma desconexão dura para uma artista que corrobora com a transparência e isso fazia parte do que a estava atormentando.
Porém, ainda não estávamos lá. Tentando não beber cafeína, ela falou sobre como ficou aterrorizada quando conheceu Shirley Manson, o quanto estava orgulhosa por ter escrito muitos riffs para “Petals For Armor” e como estava em certo momento com medo de perder o acesso à sua tristeza. Ela parou para conversar com um conhecido com uma touca de arco-íris, cortesia da empresa de coloração capilar vegana de Williams, a Good Dye Young. Ela fez referência a “Mulheres que correm com os lobos”, um livro de 1922 de contos populares sobre gênero que era como sua “pílula vermelha”.
“Existe um momento em nossas vidas em que você abre a porta e vê o que está por trás dessa porta, e nunca mais poderá deixar de ver novamente”, disse ela. Foi quando ela percebeu que tinha uma ferida. [Essa ferida] estava aberta e não parava de sangrar, por mais rápido que ela corresse.
Williams teve alguns anos ruins. Ela disse que 2008 foi um ano tão difícil para o Paramore, que mais tarde ela optou por não se mudar para uma casa com esses números no endereço. Ela chamou 2015 de “o pior ano. E tenho certeza de que ganhamos um Grammy naquele ano” (Foi o Grammy de Melhor Música de Rock, para “Ain’t it Fun”, e ele fica em uma prateleira na sala de estar ao lado de uma pilha de livros de Shel Silverstein).
Foi nesse ano que Williams saiu brevemente do Paramore – em particular, não em público – deixando o guitarrista Taylor York como o único membro. Toda a carreira da banda tem sido marcada por uma série de mudanças dramáticas que mantiveram o grupo em colunas de fofocas, enquanto os fãs discutiam sobre as mudanças e se era importante que Williams fosse tecnicamente o único membro com seu nome no contrato da Atlantic. Como ela foi inicialmente admitida sozinha pela gravadora e insistiu em tocar com sua banda, as ansiedades sobre o que significaria “carreira solo” foram particularmente acentuadas.
O ano de 2015 também foi quando Williams deu um tempo de seu noivado. Sua tumultuada quase década com o guitarrista do New Found Glory, Chad Gilbert, terminou em 2017, um ano após o casamento. O Paramore ficou na estrada até setembro seguinte, e os primeiros meses de Williams em casa foram alguns dos seus mais sombrios.
Quando ela voltou do seu retiro terapêutico, sua avó, vital e amada, caiu e sofreu um ferimento na cabeça que afetou permanentemente a sua memória. Williams, perturbada, sentou-se com o baixista do Paramore, Joey Howard, e escreveu “Leave It Alone”, que é sobre a inevitabilidade da perda (eles escreveram mais sete músicas do “Petals” juntos). Ela gastou muito dinheiro criando o Pro Tools e uma plataforma de gravação, e planejou aprender a produzir sua própria música para passar o tempo, mas gravitou para o estúdio na casa de York.
York, 30, um dos amigos de infância que é o alicerce do Paramore desde 2007 e ajudou a evoluir o som da banda, tornou-se seu co-piloto e produtor do “Petals”, esculpindo uma estética longe das guitarras estaladas do grupo e da nova onda animada do “After Laughter”. Nesse lugar, estavam as camadas intrincadas e ameaçadoras, um funk arrepiante, um eletro-industrial perturbador, e devaneios no estilo pop-glitter. A voz gloriosa e flexível de Williams, que às vezes se esforça para ser ouvida acima de sua banda, está em primeiro plano.
No início, não era nem um pouco um projeto. “Eu realmente pensei ‘vou escrever algumas músicas de R&B por diversão’”, disse Williams. Ela fez para York uma playlist de inspirações: Solange, SZA e Erykah Badu ao lado de Thom Yorke e Björk. York, que ainda não tinha produzido nenhum álbum por conta própria – ele havia ajudado nos dois mais recentes do Paramore – entendeu a gravidade das faixas enquanto Williams continuava escrevendo. Isso não ajudou a sua ansiedade, que se manifestou com pânico e psoríase.
“Eu não tinha ideia do que estava fazendo”, ele disse em um telefonema pensativo e modesto vindo de Nashville, no qual enfatizou a capacidade da sua antiga companheira de banda a acessar a sua verdade: “Não é como se ela usasse a dor como uma espécie de truque, ou algum tipo de veículo, só para conseguir uma música boa. Ela realmente quer dizer algo”. As referências de Williams “meio que me canalizavam de uma maneira diferente. Tipo, quando ela diz ‘Spice Girls’, de alguma forma eu ouço ‘The Knife’”.
Williams, York e um pequeno grupo de colaboradores trabalharam em segredo antes que Williams quisesse contar aos seus gerentes ou à Atlantic o que estava acontecendo. “Eu esperei tanto porque eu não queria que isso fosse contaminado”, disse ela. Quando acabou escrevendo uma música “uber-poppy” chamada “Dead Horse”, ela ficou envergonhada: “Eu cheguei perto de sufocar meu processo criativo porque não queria corresponder às expectativas de como é quando uma mulher sai de uma banda e faz um projeto por conta própria”.
No final, ela abraçou tudo isso. Ela até performou uma elaborada sequência de dança coreografada no vídeo de “Cinnamon”. E ela não saiu da banda.
Williams tem um golden doodle ouro bege e robusto chamado Alf, a quem ela disciplina frouxamente em uma voz gentil e aguda. O parque preferido do Alf é um de corrida expansiva adjacente a uma fazenda de cavalos em Franklin, cidade nos arredores de Nashville, onde Williams e sua mãe se estabeleceram depois que fugiram do segundo marido de sua mãe no Mississippi. É também onde ela e Gilbert – a quem ela se refere apenas como “meu ex” – moraram em uma série de casas infelizes que Williams pintou e repintou, decorou e redecorou.
“Essa garota aqui gastou muito dinheiro naqueles anos tentando preencher um vazio que não era corrigível”, disse ela com um suspiro. Alf trotou para trás e caiu aos nossos pés.
Quando ela começou o relacionamento no final da adolescência, “eu já estava tentando compreender a minha capacidade para domesticidade”, disse ela. “Acho que, durante muito tempo, quis criar o que meus pais não criaram para mim”.
Sua mãe e seu pai se casaram várias vezes; sua primeira memória de infância, de os dois discutindo, foi o tema de sua primeira terapia com EMDR – dessensibilização e reprocessamento de movimentos oculares – onde ela se visualizou segurando e protegendo o seu eu de quatro anos de idade.
Traições e “loucas [palavrões]” levaram ao seu divórcio e a forçaram a reconhecer uma vergonha que ela carregava há quase 10 anos, sobre a qual ela canta em “Dead Horse”: “Eu tive o que mereci/Eu fui a outra mulher primeiro”. Ela nunca conseguiu escutar o álbum “Lemonade” de Beyoncé completo; uma reprise de “Friends” envolvendo Ross e Rachel brigando a levou às lágrimas (desde o começo da terapia, “Gilmore Girls” tem sido um espaço seguro).
Mas a raiva que acendeu o “Petals for Armor” não se limitou à sua própria experiência; ela é resultado de um trauma geracional que Williams descobriu quando o movimento #MeToo estava ganhando força. “Todas as mulheres da minha família do lado de minha mãe” – uma linha de figuras fortes e impressionantes – ela enfatizou – “todas foram abusadas em quase todos os sentidos da palavra”. Ela percebeu que a dor estava subjacente a tudo em sua vida: “Sempre senti que havia algo errado comigo ou que eu era uma perdedora ou que eu tinha algo para provar”.
Seu desejo de fugir para a música se manifestou cedo, quando ela tinha cerca de 8 anos, assistindo à MTV, desejando poder “chegar aonde essas pessoas estão porque parecem felizes” (ela percebe a ironia disso agora). Ela ansiava pela companhia de colegas de banda, porque “eu queria fazer parte de uma família, sabe?”.
Quando ela estava se preparando para o casamento, Williams pensou em desistir da música. Ela pediu a Julie Greenwald, presidente e COO da Atlantic, que refizesse o contrato do Paramore para que ela pudesse entregar menos álbuns, e disse que Greenwald estava disposta a negociar, mas sugeriu que a cantora não precisava escolher entre o seu trabalho e sua vida pessoal.
“Hayley está na indústria da música porque ela é uma artista e seu amor pela música e pela performance está no seu sangue”, disse Greenwald em uma entrevista por telefone, lembrando do bate-papo da dupla no salão do escritório. “A única coisa que eu queria ter certeza que ela entendesse é que existem poucas pessoas que nasceram para se apresentar. Ela tem esse dom”.
Dirigindo de volta para Nashville em sua caminhonete arrumada com um pin da Björk balançando em um porta-copos, Williams passou por uma série de pontos de referências do Paramore. “Não posso acreditar que estou prestes a dizer essas palavras: eu mal posso esperar para mostrar a você essa igreja que estamos prestes a passar”, disse ela enquanto uma estrutura formidável passava. Foi onde ela e York se conectaram pela primeira vez.
“Encontrei o meu pessoal aos 13 anos”, ela se maravilhou. “Você nunca é amigo das mesmas pessoas durante toda a sua vida, e muito menos tem uma segunda chance com eles quando se desmorona”, ela acrescentou, referindo-se ao retorno do baterista Zac Farro ao Paramore para o “After Laughter” após sua saída em 2010 (ele também toca em algumas faixas do “Petals for Armor”).
Ela apontou o Walgreens, onde compravam doces e tintura de cabelo. Alf ofegou no banco de trás.
Ira e tristeza podem ter sido o ponto de partida para o “Petals for Armor”, mas é apenas um pedaço da história: as músicas tratam de auto-empoderamento, romances, sororidade e crescimento. Williams teve como colaboradora, desde o início, sua amiga Lindsey Byrnes, uma fotógrafa que participou como diretora criativa. Ela ajudou com a parte visual – mesmo nos clipes dirigidos por Warren Fu – que dá à música um aspecto mais vivo. Junto às evidentes metáforas sobre natureza, um dos temas recorrentes é a canela, que se refere à casa aconchegante da cantora e seu mundo íntimo, a feminilidade de sua própria construção.
“Acredito que crescemos vendo um estereótipo de corpo feminino, de personalidade e roupas. Eu não me identifico com isso”, disse ela após o passeio com seu cachorro, retraída em sua sala de estar, calçando um Converse feito por um fã do Paramore.
A cantora passou metade de sua vida em uma cena dominada por homens, onde se ajustou muito bem. Tão bem, que não notou parte de si se apagando. Ela sentiu que estava sendo colocada contra outras mulheres. Assim, decidiu parar de tocar o grande hit do Paramore, “Misery Business” nos shows, por entender que a canção é “ignorante” ao incentivar a rivalidade feminina. Ela diz não se identificar mais com isso. Ao invés disso, depois de seu divórcio, ela está focada em construir uma amizade mais adulta com outras mulheres.
Uma de suas confidentes, cantora e compositora Julien Baker, disse que Williams e ela se enturmaram facilmente por “terem sido criadas no sul, com uma base cristã e depois cair no mundo” da música. “Ela tem uma conexão nata com a profundidade emocional e quer mesmo explorar isso de uma forma sincera com as pessoas.”. Baker disse em uma entrevista por telefone. “Além disso, ela é uma pessoa singularmente desconcertante”. Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus – o trio boygenius – fazem o backing vocal em uma canção do “Petals for Armor” sobre mulheres que “murcharam” indo em direção à luz.
A Hayley que voltará para o Paramore, certamente estará florescendo também. “Isso é um recomeço. Ao contrário dos meses que antecederam o lançamento do “After Laughter”, que parecia o fim”, disse. No café, ela sorriu ao contar sobre quando ela e Taylor se afastaram do rock em 2017 – “A gente tava meio cansado de fazer headbanging, nossos pescoços doem!” – e agora eles sentem falta de músicas pesadas.
Fotos: Tim Barber (New York Times).
Tradução e adaptação: Paramore BR