Hayley Williams ao The Guardian: “Grande parte de minha depressão era raiva deslocada”
Por em 12 de março de 2020

Em entrevista de tom intimista para Laura Snapes do jornal The Guardian, Hayley Williams fala sobre o seu processo de tratamento da depressão, como enfrentou seus problemas pessoais e profissionais e como tudo isso culminou no projeto Petals for Armor, seu novo álbum solo. Confira a tradução completa:

Quando Hayley Williams tinha nove anos, o seu pai a levava frequentemente para andar de kart no Ultimate Fun World em Mississippi. Quanto mais ela pisava no acelerador, mais isso aliviava as dores do crescimento. Ela poderia ficar o dia todo dirigindo até esquecer a dor. “Eu pensava que ficaria mais alta”, ela diz.

Williams agora tem 31 anos e 1,55 m de altura. Sentada em um quarto de hotel em Londres, com sua calça legging tie-dye em tons pastel rompendo com o vestuário todo preto, ela deixa escapar um suspiro encantador e mortal enquanto leio a entrada sobre o kart em seu antigo LiveJournal e relaciono isso com a forma como ela continuou a superar as suas dores: em primeiro lugar, enquanto compositora e vocalista da banda pop-punk Paramore, ela foi atormentada por um carrossel de membros abandonando a banda em grande ressentimento, e inevitavelmente afetando a cantora em sua saída; e, depois, sendo esposa em um casamento no qual sabia que não deveria ter levado adiante. Na primeira turnê do Paramore como conhecemos hoje, pelo seu esplêndido álbum After Laughter, ela pregava auto-aceitação nos palcos, mas bebia para mascarar a sua depressão.

Williams volta a pensar sobre o kart. “Uma metáfora!”, ela afirma.

Seu álbum de estreia solo, Petals for Armor, tem uma atmosfera insular e que remete ao Radiohead, o oposto dos seus outros trabalhos. Sabendo que o Paramore está com uma formação estável por apenas três anos, pode parecer uma péssima hora para sair em uma aventura solo, mas, ao final de sua última turnê, Williams, o guitarrista Taylor York e o baterista Zac Farro perceberam que para se fortalecerem enquanto banda seria preciso nutrir a amizade longe da estrada. Sem planos com o Paramore, Williams foi confrontada por um sentimento que começou a borbulhar durante a turnê. Ela se lembra daquela descrença: “Será que eu realmente estou irritada?”.

Já que Williams é uma figura central no cenário emo – enquanto uma emoção – sua alienação dos sentimentos pode parecer estranha. Ela nunca picotou suas letras, e tem uma presença de palco pungente. Ainda, não faltavam razões para a sua fúria: antes de lançar o After Laughter, ela havia deixado o seu marido de dois anos (e parceiro de 10), Chad Gilbert, guitarrista do New Found Glory.

Mesmo assim, vender raiva era mais fácil do que encarar a sua própria, especialmente sendo uma mulher jovem que não precisava dar a antigos companheiros de banda munição extra para enfraquecê-la. “Não é conveniente, sabe?” diz Williams. “Um dos grandes momentos de cura foi perceber que grande parte de minha depressão era raiva deslocada. Eu a forçava para o lado de dentro, para mim mesma, e isso me fazia sentir vergonha o tempo todo”. A raiva, como ela percebeu mais tarde, poderia ser uma energia; o reconhecimento da autovalorização. “Isso me ajudou a entender coisas que aconteceram durante a minha vida e que não eram certas”.

Isso começou com a sua primeira memória – de uma briga que instigou o divórcio de seus pais. “Eles eram jovens”, ela argumenta. “Eles cometeram um erro. Não era necessariamente algo para ficar ressentido. Mas quando eu fiz terapia, percebi que tinha quatro anos e pensava que era a minha culpa”. Ela passou a perceber que tudo provinha daquele momento: “Eu sempre quis uma família”.

Então veio o Paramore. Faminta para começar uma banda, Williams não conseguia encontrar alguém com quem tocar durante a pré-adolescência no Mississippi. Em 2002, junto com sua mãe, fugiram de “um pesadelo de padrasto” para Franklin, no Tennessee. Elas viveram com amigos, em um hotel, em um trailer, em um apartamento mobiliado com doações de um grupo de suporte da igreja. Williams sofria bullying por causa de seu sotaque, então começou a estudar em casa, com tutoriais semanais. No primeiro dia, ela conheceu Farro, que a apresentou para os meninos que viriam a formar o Paramore. Em 2005, eles eram a realeza emo, tanto pelos refrões grandiosos, quanto pelo drama interno. A constante mudança de formação marcou Williams profundamente: “Eu estava tentando manter uma família unida”.

O mesmo aconteceu em seu relacionamento com Gilbert, que começou em 2008. Ela queria espelhar o único relacionamento estável de sua vida: de seus avós, que se conheceram quando tinham 12 anos e continuaram juntos. A terapia a fez perceber que ela escolheu um parceiro que a fazia reviver todo o trauma do casamento de seus pais. “Eu estava em um relacionamento doentio, e apenas pensava: ‘eu consigo consertar isso dessa vez’”.

Ela é discreta sobre o seu relacionamento para evitar acusações por parte do público. “Ele provavelmente me olha como uma vilã”, ela diz com entusiasmo. “Expor a minha versão da história de outra pessoa não parece ser justo. Especialmente não depois da m**** que eu passei”. Williams sabia que não conseguiria salvar o relacionamento – ou que isso não a salvaria – antes de seu casamento em 2016. Ela não queria se casar. Mas gostava da ideia: “Eu queria o negócio completo – uma família – e pensei em abandonar a música por um tempo para isso”. Não era uma ideia que receberia apoio. “Abandonar a coisa que é mais preciosa para mim? Você está brincando comigo?”.

Depois que o casal se separou, seu melhor amigo a lembrou da manhã do dia do casamento. Enquanto ele ajudava Williams com o seu vestido feito por Vera Wang e com as botas Dr Martens, ela não conseguia parar de se criticar. Era fora do personagem, ele disse, para alguém que geralmente tem uma atitude despreocupada com a sua aparência. “Quando ele disse aquilo, eu me perdi”, diz Williams. “Quando você sente muita vergonha não quer que ninguém encontre algum problema, pois pode acabar sendo um gatilho para o desastre”.

O subconsciente de Williams passou a aparecer enquanto escrevia para o After Laughter – particularmente em Caught in the Middle, uma sátira de sua habilidade em se autossabotar. “É apavorante viver naquela realidade, pois você percebe que é a vilã”, ela diz. “Você continua f****** a própria história de propósito, pois teme que algo não vai dar certo, e continua bagunçado”. Ela desenvolveu erupções cutâneas, parou de comer e sua atividade adrenal parou. Ela deixou o relacionamento, abandonou suas posses e se mudou para um chalé em Nashville, com um colchão no chão, móveis de pátio emprestados por seus vizinhos e uma infestação de morcegos que custou $10.000 para solucionar.

O ciclo de divulgação do After Laughter estava apenas começando. Quando o Paramore filmou os dois primeiros vídeos, Williams pesava 41 kg. “Apenas quando eu vi as imagens que percebi não haver motivos para esconder que eu não estou bem agora”, ela diz. “E parte de mim gostava daquilo – se as pessoas soubessem que eu não estava bem, elas não iriam se aproximar”.

Ela não se descrevia como sendo depressiva, mesmo com pensamentos suicidas. “O que odiava era que, naquela época, a palavra ‘depressão’ ainda era algo novo – tão polêmico, quase apelativo?”, ela diz. “E me assustava fazer parte daquela discussão, especialmente por não saber ao certo o que estava acontecendo comigo”.

Tudo se encaixou quando ela voltou para casa. Ela começou a terapia e trocou as cadeiras de pátio por móveis de verdade. O novo álbum traz uma música íntima e excêntrica chamada “Cinnamon”, sobre a sua casa e o prazer em tomar café da manhã pelada. “Eu morei em um trailer por meses enquanto minha mãe e eu estávamos fugindo”, ela exclama. “Ser capaz de ter o seu próprio lugar é uma marca: esta sou eu, e este é o meu indulto”.

Sentindo-se fisicamente e emocionalmente “incongruente” por tanto tempo, Williams é fervorosa em reconhecer que “o que acontece em nossos cérebros geralmente se manifesta fisicamente se não cuidarmos”. Ela menciona vários artistas pop (incluindo Justin Bieber e Selena Gomez) com doenças autoimunes. “Eu realmente acredito que a razão para estarmos vendo isso é: quando tempo você está reprimindo alguma m****? Pois isso é real”.

Vulnerabilidade se tornou a sua maior “arma de proteção”, aliviando a pressão: “Você não deve esperar que eu esteja bem!”. O introspectivo Petals for Armor é mais revelador do que qualquer álbum do Paramore, abordando o seu relacionamento e o “nojento” abuso sofrido pelas mulheres mais velhas de sua família. Ele estabelece o seu lugar em uma linhagem feminina que ela não se sentia confortável em se inserir. Toda vez que Williams sofre com a vergonha de seu divórcio, ela lembra com grande respeito que não seria capaz de ter essa carreira se não fosse pelos conflitos ocorridos na sua infância.

Mais do que se arrepender pelas coisas do passado, ela espera destacar o poder da raiva feminina. “A raiva de uma mulher mudou várias coisas neste mundo”, ela diz. “Nós fomos capazes de progredir em vários ramos”. O mundo em 2020 não busca por esse temperamento. Mas a raiva frequentemente tenta lhe ensinar algo. “Não é preciso que tudo seja ignorância, discursos de ódio e conversas fiadas”.

Tradução e adaptação: Paramore BR

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