Como anunciado em fevereiro, Hayley colaborou no projeto “Can You Deal?” da banda Bleached, que consiste em uma zine com relatos, artes visuais, letras e poesias sobre a mulher e sua vivência na cena musical. Confira a contribuição da Hayley abaixo.
Música é maior do que gênero (e outros ensinamentos)
Quando eu era criança, queria ser um menino. Meninos se divertiam mais, eram menos frágeis.
E se tem algo que soa ultrapassado para mim é ser vista como frágil. Para desafiar, eu vestia roupas masculinas, andava pela vizinhança com a minha bicicleta BMX como as que eles tinham e prometi que nunca iria me casar.
O cenário musical na minha cidade não era muito amplo, tudo que eu podia fazer era colocar na MTV enquanto meus pais saíam, assim eu via que existia um mundo todo fora da minha casa. Era um canal no qual toda forma de arte e pessoas estranhas podiam se apresentar e aparecer da forma que quisessem. Eu me sentia mais parecida com essas pessoas do que com as pessoas que estudavam comigo. Missy Elliot em um terno largo teve mais influência em mim do que qualquer outra pessoa da minha realidade. Morava um universo inteiro dentro de mim que ninguém conhecia, não importa quantas festas de pijama eu ia. Eu queria chegar em um lugar onde todas as “Missys” governavam o mundo, nem que fosse a última coisa que eu fizesse.
Pulando para 2004. Com 15 anos, eu era uma criança boazinha… muito independente e orgulhosa da jovem que estava me tornando. A puberdade não foi tão difícil, tinha até alguns dias nos quais eu me achava bonita. Depois de me mudar do Mississipi para uma cidade perto de Nashville, conheci jovens da minha idade que me pediram para entrar na banda deles. Foi o melhor momento da minha vida. Logo após formarmos o que mais tarde viria a ser o Paramore, fui “separada” da banda e distribuída para todas as grandes gravadoras que você possa imaginar. Na era de “Complicated” da Avril Lavigne, eu era outra moleca com uma guitarra. Eu era aquela garota que não era como as outras.
Novamente, comecei a ficar amargurada com a minha feminilidade. Talvez, se eu realmente fosse um menino, eu não teria ido a essas reuniões com as gravadoras. Nos próximos anos, eu vestia camisetas e parei com a maquiagem. Mesmo quando fiz amigos – meus companheiros de banda – nessa equação, eu ainda me sentia muito isolada e isso parecia não ter cura.
Quando começamos as turnês, eu tinha vergonha que todas as críticas só falavam de mim.
Momentos de aceitação foram seguidos de momentos de vergonha. Por que ninguém podia esquecer o fato de eu ser uma garota? Por que isso era importante? Quando estava no palco, não me sentia nem mulher, nem homem. Lá no fundo, acho que eu comecei a perceber algo profundo sobre música, que continua sendo verídico: música é maior (e melhor) do que gênero.
Demorei para notar que meu microfone tinha poder. E levou mais ainda para eu perceber que dentro da minha feminilidade também havia poder. Nunca me ocorreu que ver uma mulher com um microfone podia ser visto como uma ameaça. O mais curioso é que por fora, eu tinha esse poder. Mas por dentro eu ainda estava descobrindo como usá-lo, e nem sempre consegui…
O que eu gostaria de ter descoberto antes é o quão pouco tinha realmente a ver comigo. Qualquer artigo sexista ou comentário misógino que era jogado em mim, nenhum deles era sobre mim em particular. Havia uma miopia social cegando nossa cena musical. O problema era que eu internalizava isso como verdade.
Chegou um momento em que eu percebi que mesmo que eu não conseguisse mudar o jogo, eu tinha que mudar como eu me comportava nele. Então parei de me culpar por ser mulher e comecei a aceitar todo o poder e responsabilidade que vinha com isso.
Me levou quase 28 anos para perceber que a coisa mais desafiadora a fazer, como pessoa, é não ceder às expectativas dos outros sobre nós mesmos. Foi nessa minha luta dentro da indústria que me fez aprender a coisa mais importante da minha vida. Sou muito mais forte agora. Uma mulher empoderada com mais propósitos do que antes. Ainda descobri que aquele lugar onde “Missy Elliots” governam o mundo, não é real. É sua intuição que conta. A voz interior que você não cala. É quando você aceita sua história e para de evitar as partes mais autênticas de si.
Então me pergunte como é ser uma garota em uma banda. Me dê um momento para respirar fundo, aquietar pensamentos defensivos e quando eu finalmente abrir a boca, direi: sou grata.
Tradução e adaptação: Paramore BR
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